A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras
MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM


A FEIRA DO LIVRO 2025,
Como podemos deixar a bandeira da liberdade de expressão na mão da direita?, questiona Ana Cristina Braga Martes
A socióloga e escritora dividiu, com Ana Kiffer e Cadão Volpato, mesa n’A Feira do Livro que falou sobre como a literatura busca dar conta dos silêncios impostos pela ditadura
19jun2025Em uma conversa que girou em torno dos silêncios impostos pela violência da ditadura civil-militar no Brasil e como a literatura tenta dar conta desses temas espinhosos, a socióloga e escritora Ana Cristina Braga Martes trouxe o assunto para um contexto muito contemporâneo.

“Uma coisa que fiquei pensando é como a gente pode deixar a bandeira da liberdade de expressão na mão de pessoas que não têm nenhum compromisso com ela. Essa bandeira é nossa. Como podemos deixar essa bandeira na mão de pessoas de direita?”, questionou a autora do romance Sobre o que não falamos (Editora 34, 2023), que deu nome à mesa compartilhada com Ana Kiffer e Cadão Volpato, mediada pelo jornalista Eugênio Bucci, nesta quinta (19) n’A Feira do Livro.
Os três escritores publicaram recentemente livros que retratam a ditadura e debatem as representações literárias do autoritarismo e da resistência ao regime. Kiffer lançou No muro da nossa casa pela Bazar do Tempo e Volpato publicou Abaixo a vida dura pela Faria e Silva, ambos em 2024. As três obras foram classificadas pelo mediador como “livros que falam da permanência da ditadura, mas com uma característica: a impossibilidade de dizer e uma espécie de luta para recuperar a palavra, a língua, o enunciado. Para sair da prisão do silêncio”.
Silêncios
No livro de Martes, o silêncio diz respeito às origens da protagonista. “Tratar desse tema no livro foi um jeito que eu arrumei de deixar vir à tona essa disputa pelas denominações que a gente tem com relação às questões raciais. Toda essa questão da miscigenação é muito bem documentada na história do Brasil. Mas eu queria falar de como uma menina que sempre se viu com branca reage à notícia de que ela tinha um pai negro”, disse.
As questões raciais também se ligam no livro a violências. “O Sérgio Buarque de Holanda tem a frase ‘todo brasileiro é filho de um estupro’. Isso é horrível, é um país que demograficamente vai se formando na base da violência. E isso ainda está presente em termos de feminicídio. Então, essa menina vai descobrir que o pai dela era negro e uma das versões que se contava na vila era que ele havia matado a mãe dela, branca”.
Já a impossibilidade de quebrar o silêncio sobre algumas coisas está no cerne do livro de Kiffer, que, conta a autora, nasceu de uma história real nunca contada: em 1968, quando seu pai — o ex-deputado João Kiffer Netto — estava preso e a mãe, grávida, o muro da casa da família apareceu pichado com a frase “Aqui mora um bandido comunista”. “Minha mãe não contou isso para ninguém, nem para o meu pai. Eu soube disso por um tio quando ele já estava senil”, disse Kiffer, explicando que o silêncio se torna um personagem do livro.

Mais Lidas
“Um silêncio de uma censura que não é só persecutória, é de sobrevivência. Mas também um silêncio que é de outra ordem, o silêncio da mulher. A minha mãe não teve protagonismo em nenhum momento. Então, o silêncio dela diz muito”, contou a autora, relembrando também os depoimentos de mulheres presas pela ditadura na Comissão da Verdade.
Resistência e humor
No caso do livro de Volpato, o indizível ganha um tom mais de humor. A obra, que gira em torno de personagens que circulam pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) nos anos 70, ligados sobretudo à organização de oposição ao regime militar Liberdade e Luta (Libelu), traz no título uma frase proferida em tom de piada em uma passeata do movimento estudantil.

“A história do ‘abaixo a vida dura’ é muito boa, foi meio que um telefone sem fio. A primeira passeata que a gente fez — o movimento estudantil estava muito asfixiado, a gente não podia nem fazer assembleia, quanto mais passeata —, na saída da USP, passou na frente da Academia de Polícia, onde estava posicionada a tropa de choque e o coronel Erasmo Dias. O movimento estudantil costumava gritar ‘pelas liberdades democráticas’, que são péssimas palavras de ordem, e o [hoje crítico de gastronomia] Josimar Melo, que estava lá atrás, começou a gritar ‘abaixo a vida dura’. Quando chegou na frente da passeata, já tinha virado ‘abaixo a ditadura’”, relembrou o escritor e jornalista, contando que, a partir dali, a frase tomou conta do movimento estudantil e as passeatas começaram a se proliferar pela cidade de São Paulo, fazendo jus à fama de “porra loca” da Libelu, mas não sem uma repressão brutal.
A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.
A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.
Porque você leu A FEIRA DO LIVRO 2025
Literatura latino-americana, autoritarismo e relatos de memórias são discutidos no sexto dia d’A Feira do Livro
No primeiro dia do feriado, festival literário paulistano reuniu nomes como Lina Meruane, Jorge Carrión, Antonio Prata, Veronica Stigger e Paulo Henriques Britto
JUNHO, 2025
Mais de Redação Quatro Cinco Um
Risadas com Antonio Prata, rimas esquisitas e passeios por biomas e pelo fundo do mar animam o feriado dos pequenos
Cronista lotou o Espaço Rebentos; palco infantil d’A Feira também teve a participação de imortal da ABL e do podcaster mais ouvido do Norte, entre outros
JUNHO, 2025