
Literatura brasileira,
‘Existe uma separação da literatura considerada séria e aquela que os jovens querem ler’, diz Carol Chiovatto
Escritora conversou com Bia Crespo e Caio Yo sobre a maior presença de temas LGBTQIAP+ na literatura juvenil brasileira
05jul2024Destaques da nova literatura juvenil brasileira, Bia Crespo, Caio Yo e Carol Chiovatto subiram ao palco d’A Feira na tarde de quarta-feira (5) para a mesa “Sobre crushes, cosmos e bruxas”. Em seus romances e graphic novels para adolescentes e jovens, os personagens representam e ampliam a voz de pessoas LGBTQIAP+ na ficção pop.
A plateia era composta por um público da mesma faixa etária de seus leitores, alguns com cabelos coloridos. E a conversa, mediada pelo booktoker — criador de conteúdo que resenha livros no TikTok — Tiago Valente, teve uma linguagem repleta de termos estrangeiros como period (fim de papo) e aesthetic (esteticamente agradável), parte do vocabulário dos grupos geracionais gen Z e millennial.
Roteirista, escritora e produtora, Crespo deixou o audiovisual para contar suas próprias histórias na literatura. Seu romance de estreia Eu, minha crush e minha irmã (Companhia das Letras, 2023) conta a história de Antônia, uma garota que começa um namoro de mentira com Júlia, cujo maior desejo é na verdade se aproximar da irmã da protagonista.

“Sou filha única, mas sempre convivi com amigas que tinham irmãs mais velhas, e elas se sentiam inferiores e mais pressionadas. Eram relações que me deixavam muito curiosa”, contou sobre seu romance com fake dating (namoro falso) no enredo.
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Apesar de acreditar que há mais diversidade no mercado, sobretudo o das produtoras e editoras, Crespo destacou que ainda é difícil emplacar histórias LGBTQIAP+.
“Não aguentava mais escrever a história de casais LGBT e ter que enfrentar uma batalha para colocar no roteiro, filmar, entrar na série. Não podemos contar nossas histórias porque o ‘público é conservador e tem que agradar todo mundo’, diziam, mas aí desagrada a gente. No meu livro quase todas as personagens são mulheres lésbicas e desfem [destoantes da feminilidade tradicional]”, concluiu Crespo.
Autor que publicou de forma independente os quadrinhos Fúria (2016) e Onsen (2017), e teve sua websérie Cosmico publicada em 2023 pela JBC, o ilustrador e quadrinista Caio Yo também passou a contar suas próprias histórias em seus trabalhos. “[Cosmico] não é uma autobiografia, mas tem muito da minha vivência”, disse Yo.

“Quando consegui me autopublicar, tive dificuldade de entender o que significava meu trabalho. O público vira um espelho às vezes, o feedback diz muito”, contou. “Os retornos das primeiras histórias que eu recebia dos leitores criticavam a falta de conflito entre personagens. Mas eu gostava de escrever histórias do mundo gay, com pequenos conflitos do dia a dia.”
Bruxarias
No romance Porém bruxa, fantasia urbana publicado em 2019 pela AVEC e reeditada pelo Suma, selo da Companhia das Letras, em 2021, Chiovatto criou uma personagem considerada transgressora. Em seu doutorado, ela estudou a figura da bruxa como estereótipo do feminino que transgride.
“Minha pesquisa acadêmica e a escrita literária se retroalimentam. A figura da bruxa na literatura é muito interessante para mim desde que sou criança, porque é assustador e, ao mesmo tempo, apaixonante”, explicou Chiovatto. “Queria saber por que a bruxa era vilã e, por que, de repente, ela luta por direitos de minorias, como uma heroína.”

A escritora comparou a presença de bruxas na literatura de Shakespeare com livros contemporâneos com essas personagens. Atualmente, elas quase só aparecem na literatura infantojuvenil, segundo ela. A série Harry Potter, óbvio, foi lembrada “Hoje em dia isso é uma tristeza”, lamentou a escritora, fazendo a plateia rir, referindo-se às polêmicas nas redes sociais com a autora J.K. Rowling por declarações consideradas transfóbicas.
Chiovatto se apaixonou pela pesquisa acadêmica e pela literatura ao mesmo tempo. Quanto mais pesquisava, mais material obtinha para a escrita literária. “Temos movimento anti pesquisa e anti-intelectual muito grande hoje. Acho que é um projeto político. Gosto de mostrar que pesquisa e literatura devem se comunicar, que não são coisas separadas.”
Nerd apaixonada
Fã do universo da fantasia, Chiovatto contou que começou a ler a partir dos romances de Agatha Christie, Pedro Bandeira e Ursula K. Le Guin. Mas o que a fez começar a escrever foi a paixão por aprender novidades. “Sou uma nerdinha apaixonada, gosto muito de aprender coisas novas.”
Além da pesquisa acadêmica, Chiovatto usa elementos de seu dia a dia nos livros que escreve. Em Árvore inexplicável (Suma, 2022), ficção científica que se passa em São Paulo, a protagonista estuda na capital paulista e mora em Guarulhos, na região metropolitana. Um trajeto que a escritora fez por alguns anos, na época em que cursava comunicação na FAM (Faculdade das Américas). Segundo Chiovatto, a literatura dá a chance de contar as próprias verdades com roupagens diferentes. “Isso é o mais fascinante. O fantástico funciona como uma lente de aumento para falar das coisas que a gente vive.”

Já Crespo afirmou que suas inspirações vêm de fora do seu cotidiano, como a série documental gastronômica Chef’s Table. “Tinham várias cenas da chef Christina Tosi pegando metrô e se divertindo com a rotina de trabalho. Ela dizia que a gastronomia teria de ser divertida. Aí pensei ‘quero escrever livros assim como ela faz bolos’.”
Questionada pelo mediador se os jovens de hoje estão lendo menos por passarem muito tempo nas redes sociais, Chiovatto disse discordar.
“A impressão que tenho é que os jovens leem mais. Só que existe uma separação da literatura considerada séria e aquelas que os jovens querem ler. Consumir livros de fantasia não faz necessariamente você deixar de ler outras literaturas.”

A Feira do Livro 2024
29 jun.—7 jul.
Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização da Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos voltada para a difusão do livro no Brasil, e da Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais. O patrocínio é do Grupo CCR, do Itaú Unibanco e Rede, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, da TV Brasil e da Rádio Nacional de São Paulo.

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