

Poeta, ensaísta e tradutora carioca, Adriana Lisboa aborda vários dos dilemas da existência humana em Antes de dar nomes ao mundo, conjunto de poesias recém-lançado pela Relicário. Temas como a efemeridade do tempo, a morte e a relação do ser humano com o não humano são contemplados pelos versos dos 55 poemas da autora apresentados no livro.
Embarcando em uma análise crítica e reflexiva sobre a existência humana, a vencedora dos prêmios José Saramago e Moinho Santista mergulha na ausência e na presença do tempo, na perda do outro, na autocrítica excessiva e na subjetividade das vidas não humanas.

À certeza da poeta de que “existir é um sinal de menos” se somam as figuras das plantas, dos cachorros, peixes, gatos e outras vidas não humanas, que questionam os riscos da existência e a fugacidade das experiências.
Trecho de ‘Antes de dar nomes ao mundo’:
ebó
a delicada carcaça
da ratazana que morreu faz
algumas semanas
a cada dia tem um
feitio novo
enxugada por outros bichos
ataviada pelo sol
o constante ebó da vida
ofertando-se à vida
com tudo o que a vida come
e se encadeamos
uma guerra na outra
dentro e fora de nós
oxalá outro futuro
antepassado
prevaleça
em nosso jardim de algum dia
com a lição de ofertar
o morto da praça central
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para Mauricio Vieira
ergue-se na praça central
da cidade estrangeira
um monumento ao morto
que fez outros mortos
não monumentalizados aqui
vem um cheiro bravo de mar
incitado pelo vento
também ele um guerreiro às vezes
(ele o mar
ele o vento)
e o espírito das rosas
está à venda nas esquinas
quando
desistidos de bordéis e museus
os turistas partirem
as sombras dos séculos
hão de retomar seu trabalho
reiterado e lento
conciliando ruína
e trançando com paciência infinita
as trepadeiras
nas ancas do morto da praça central
tigela
enquanto o cachorro
come sua refeição na tigela
algo na vida que o observa
pergunta-se pelo sentido
de estar aqui a observá-lo
pergunta-se como será
isso de existir
e não se examinar todo o tempo
tal um obsessivo cientista de si
como será isso de correr
pelos campos sem que o arado
tenha de constantemente roçar
cada dobra do coração
como será isso de lamber
a tigela
e confiar –
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