Poesia,

A inteligência poética de Maria Lúcia Dal Farra

Em ‘Livro de erros’, poeta tensiona as relações entre as marcas sujas da vida e a poesia, além de dispor suas referências na escrita; leia trecho

12ago2024
A autora Maria Lúcia Dal Farra (Divulgação)

A coletânea de poemas Livro de erros, de Maria Lúcia Dal Farra, acaba de chegar às livrarias pela editora Iluminuras. Na obra, a autora reflete sobre o conceito do poeta sórdido — aquele em cuja poesia há a marca suja da vida — e dispõe de suas referências poéticas, que incluem Manuel Bandeira, José Lezama Lima, Eugénio de Andrade, Herberto Helder, Florbela Espanca e Santa Teresa D’Ávila.

Patrona de cadeira na Academia Botucatuense de Letras, Dal Farra é autora de Livro de auras (1994), Livro de possuídos (2002), Alumbramentos (vencedor do Jabuti de Poesia de 2012), e Terceto para o fim dos tempos (2017), todos editados pela Iluminuras. 

Dal Farra deseja que o livro possa ser “um milagre cheio do milagre dos erros”. Para isso, a autora tensiona, com sua escrita, as relações com o erro no cotidiano. Leia um trecho a seguir. 

Trecho de ‘Livro de erros’

O vestido xadrez

Ó forte sol que branqueia
as cortinas do meu quarto:
pode (por favor) desbotar o vestido que trago?!
Essa violenta exposição de raiva roxa
e vergonhas vermelhas; esse amarelo
de finas traições (mas sempre certeiras); o
verde chamativo das boas intenções

(só de pura indolência),
as duras (mas ligeiras) opiniões —
enfim:
esta recorrente e estampada denúncia de mau gosto?!

Não mais difícil (temo) seja descorar, que fazê-la
— a esta roupa — que não posso tirar do corpo.
Nem mesmo a confissão consegue desvesti-la
para me mandar de volta para casa —
aliviada e nua.

E (tudo isso)
perante a tarde formal e inofensiva
debaixo da minha brilhante e aérea cabeleira —

forrando o vestido sutil…
Não se vê —

mas está lá.