Biografia, Trechos,

A vida de Al Pacino

Em ‘Sonny boy: autobiografia’, um dos atores mais famosos de Hollywood narra os bastidores de ‘O poderoso chefão’ e reflete sobre a carreira; leia trecho

06nov2024
Al Pacino ensaiando 'The Basic Training of Pavlo Hummel', com David Wheeler (Divulgação)

Sonny boy: autobiografia, com tradução de Laura Folgueira, recém-lançado pela Rocco, reúne as memórias do ator, produtor, roteirista e cineasta Alfredo James Pacino, ou Al Pacino. O estadunidense alcançou fama em Hollywood pelo papel de Michael Corleone em O poderoso chefão, baseado no romance homônimo de Mario Puzo. Sonny, o personagem da trilogia que inspirou o título da autobiografia, é o filho mais velho do chefe da máfia Don Vito Corleone.

Vencedor do Oscar de Melhor Ator em 1993 por Perfume de mulher (1992), Pacino narra a infância no Bronx, o começo de sua carreira nos palcos de teatros em Nova York, sua conexão com a comunidade artística e a paixão pela arte.

Al Pacino em sua infância (Cortesia de Mark Scarola/Divulgação)

Além dos bastidores dos filmes, o cineasta traz reflexões sobre a importância da atuação em sua vida e compartilha detalhes de sua carreira e a luta contra o alcoolismo, que, como escreve, chegou de “maneira sorrateira”. Leia um trecho a seguir.

Trecho de ‘Sonny boy: autobiografia’

Meu relacionamento com o diretor que ia mudar minha vida começou de um jeito estranho. Francis Ford Coppola tinha me visto no palco, quando fiz Does a Tiger Wear a Necktie?, mas eu não o conheci na época. Ele era um jovem promissor que já havia dirigido alguns filmes. Do nada, ele me enviou um roteiro original que havia escrito, uma história de amor maravilhosa sobre um jovem professor universitário com uma esposa e filhos que tem um caso com uma de suas alunas. Era mítico e meio surreal, mas lindamente escrito. Francis queria me encontrar para discutir o papel do professor. Significava que eu precisava entrar num avião e ir para San Francisco, coisa que seria difícil para mim. Eu não gostava de voar. Pensei: Será que tem outra forma de chegar lá? Não posso falar para esse cara vir até Nova York, né? Dei o braço a torcer e fui.

Era minha primeira vez em San Francisco, eu estava feliz de estar lá a convite de alguém talentoso como Coppola. Ele parecia um professor universitário, um intelectual de barba volumosa, sorriso amplo e um cachecol sempre enrolado no pescoço, como Fellini. Pelos cinco dias e noites seguintes, ele me levou para jantar e conversamos sobre seu projeto enquanto bebíamos vinho sem parar. Achei que Francis tinha o toque do gênio. Ele tinha uma animação. Era um líder, um realizador, ele corria riscos.

Ele me levou à sua empresa, American Zoetrope, num grande prédio — basicamente um bunker na superfície, onde ele trabalhava cercado por uma turma variada. Se minha memória está correta, acho que vi George Lucas e Steven Spielberg lá. Martin Scorsese e Brian De Palma também faziam parte do grupo. Eu não fazia ideia de quem eram na época, mas sabia que não eram atores. Eram um bando de jovens radicais que vinham dos anos 1960 e queriam trazer o cinema para os anos 1970. Estavam ligados em mudanças maiores na cultura cinematográfica.

Mas eu era um desconhecido, e o filme que Francis queria fazer comigo foi recusado em todo lugar e nunca seria produzido. Então voltei para casa e achei que nunca mais teria notícia dele. Meses se passaram e aí, um dia, no meio da tarde, recebi uma ligação. Do outro lado da linha, ouvi um nome e uma voz do passado: Francis Coppola.

Primeiro, ele me disse que ia dirigir O poderoso chefão. Pensei que talvez ele estivesse fantasiando. Do que estava falando? Como tinham dado O poderoso chefão para ele? Eu havia lido o romance de Mario Puzo, que tinha virado um grande sucesso; era importante para qualquer um estar envolvido naquilo. Mas, quando se é um jovem ator, você nem pensa nesse tipo de coisa. Conseguir um papel num filme já é um milagre. Oportunidades assim não existem para você. Parecia absurdo.

E aí pensei: Ei, talvez seja possível. Eu tinha passado um tempo com Francis. Vi que ele se portava com confiança, e isso me deu fé nele. Mas não era algo que se fazia na época. Será que o estúdio, Paramount, não ia querer procurar diretores mais velhos, com maior reputação, em vez desse intelectual vanguardista talentoso? Não combinava com minha percepção de Hollywood.

Aí, Francis disse que queria que eu fizesse Michael Corleone. Pensei: Agora ele foi longe demais. Comecei a duvidar que fosse ele mesmo no telefone. Talvez eu estivesse tendo uma crise nervosa. Um diretor te oferecer um papel por telefone, não por meio de um agente ou algo do tipo, e aquele papel, o maior de todos — era uma chance de um em cem milhões. Eu nem pensava que fosse uma chance, porque não acreditei. Quem era eu para aquilo cair no meu colo? Quando finalmente desliguei o telefone com Francis, estava meio atordoado.

Pensando bem, eu não tinha um interesse no show business e nem sei por quê. Sabia que atuar seria a minha profissão, mas, por algum motivo, o negócio como um todo era estranho a mim e ao meu estilo de vida. Eu não morava em Los Angeles, que era o centro de tudo. Eu estava em Nova York, e na ilha de Manhattan as coisas estavam acontecendo para mim. Eu era uma pessoa do teatro. Tinha meu Tony e meu Obie, o Actors Studio e minha turma de colegas atores. Hollywood era uma cidade distante, e filmes eram um mundo diferente do teatro.