Economia,

Uma receita para o subdesenvolvimento

Livro de Erik Reinert examina as rotas que conduzem as nações à riqueza e à pobreza e recomenda que o Brasil mantenha distância das dog industries

09nov2018 | Edição #3 jul.2017

Não poderia ter saído em melhor hora a versão em português do livro mais importante de Erik S. Reinert. Trata-se de um dos melhores livros já escritos sobre a história e a teoria do desenvolvimento econômico. Em tempos de vitória de Donald Trump e do Brexit, não custa repetir uma frase dita ad nauseam nos anos 90 e que parece mais atual do que nunca: é a economia, estúpido!

 O magistral livro de Reinert nos ajuda a entender como os países ricos ficaram ricos e por que os países pobres continuam pobres. Acrescentaria eu: como agora alguns países ricos empobrecem até. 

Além de sua tradicional competência em teoria, história e na evolução do pensamento econômico, Reinert ainda nos brinda, na edição brasileira do livro, com um breve resumo dos caminhos e descaminhos das ideias sobre desenvolvimento econômico na língua portuguesa desde o século 17. Vale muito a leitura.

Para os autores clássicos do desenvolvimento econômico, as atividades produtivas são diferentes em termos de suas habilidades para gerar crescimento e desenvolvimento.

Atividades com altos retornos crescentes de escala, alta incidência de inovações tecnológicas e altas sinergias decorrentes da divisão do trabalho dentro das empresas e entre as empresas são fortemente indutoras de desenvolvimento econômico, segundo a leitura de Reinert.

São atividades nas quais em geral predominam a competição imperfeita e todas as características desse tipo de estrutura de mercado (importantes curvas de aprendizagem, rápido progresso técnico, alto conteúdo de R&D, grandes possibilidades de economias de escala e escopo, alta concentração industrial, grandes barreiras à entrada, diferenciação por marcas etc.).

Reinert nos mostra como esse grupo de atividades de alto valor agregado se contrapõe às atividades de baixo valor agregado, em geral praticadas em países pobres ou de renda média com típica estrutura de competição perfeita (baixo conteúdo de R&D, baixa inovação tecnológica, informação perfeita, ausência de curvas de aprendizado e possibilidades de divisão do trabalho). O aumento de produtividade de uma economia viria justamente da subida da escada tecnológica, migrando de atividades de baixa qualidade para as atividades de alta qualidade, rumo à sofisticação tecnológica do tecido produtivo. Para isso a construção de um sistema industrial complexo e diversificado é fundamental, sujeito a retornos crescentes de escala, altas sinergias e linkages entre atividades.

A especialização em agricultura e extrativismo não permitiria esse tipo de evolução tecnológica. Migrar de atividades de baixa qualidade para as atividades de alta qualidade é muito difícil

Agricultura e extrativismos

A especialização em agricultura e extrativismos não permitiria esse tipo de evolução tecnológica. Migrar das atividades de baixa qualidade (concorrência perfeita) para as atividades de alta qualidade (concorrência imperfeita) é tarefa de enorme dificuldade. Reinert nos mostra que desse salto depende o processo de desenvolvimento econômico.

Por definição as atividades de alta qualidade aparecem em mercados com estruturas de oligopólio e concorrência monopolística, o que já dificulta sobremaneira a entrada de novos players de países emergentes. Barreiras à entrada, grandes economias de escala e diferenciação por marcas são algumas das características desses mercados que dificultam muito o acesso de novas empresas do mundo emergente.

Alguns exemplos ilustram o ponto e ajudam a entender como a economia mundial está estruturada em termos desses mercados. Aviões: Boeing, Airbus, Bombardier e Embraer. Automóveis: Toyota, Hyundai, General Motors, Ford, Fiat. Alimentos processados: Nestlé, Danone. Eletrônicos: Apple e Samsung, e assim por diante.

Os exemplos nos setores de manufaturas e bens complexos são abundantes. Para se desenvolver, um país precisa ser capaz de constituir empresas nesses setores já muito bem ocupados, nos quais os potenciais de economias de escala e lucros são enormes: aí está a produtividade. Uma tarefa nada fácil para um país emergente. 

Reinert mostra como podemos usar as ideias de Michael Porter para entender a microeconomia do desenvolvimento econômico: como evitar trabalhar onde não há barreiras à entrada, economias de escala e escopo e onde a informação é razoavelmente perfeita. Entender o subdesenvolvimento é compreender o que acontece nas indústrias onde as estratégias de Porter não funcionam.

As star industries são atividades nas quais em geral predominam a competição imperfeita e todas as características desse tipo de estrutura de mercado. Esse grupo de atividades se contrapõe às atividades de baixo valor agregado, as dog industries, em geral praticadas em países pobres ou de renda média.

Em seu livro A vantagem competitiva das nações, Porter leva as conclusões tiradas da arena da competição industrial para o nível nacional. O conselho que ele dá às nações é essencialmente o mesmo que ele dá às corporações: cultivar star industries e manter-se longe das dog industries. A “competitividade”, no esquema de Porter, consiste em posicionar seu próprio país nas atividades de stars.

Mercantilismo

Segundo Erik Reinert, as recomendações da estratégia de Porter são essencialmente uma versão mais sofisticada das recomendações das escolas de pensamento mercantilistas e cameralistas que ele analisa longamente ao longo do livro.

Reinert construiu durante décadas uma biblioteca de mais de 60.000 volumes com pensadores esquecidos do mercantilismo italiano, alemão, francês e inglês. Dessa análise surgem no livro duas rotas possíveis para as diversas nações. A primeira leva ao desenvolvimento econômico e à constituição e manutenção de atividades com retornos crescentes de escala — especialmente, mas não unicamente, manufaturas.

As economias de escala permitem aumentos significativos de produtividade, pressionam os salários para cima e geram lucros e excedentes tributáveis. Os salários mais altos geram uma maior poupança e uma maior demanda por bens mais sofisticados. Os excedentes tributáveis permitem aos governos taxar e investir, de preferência em infraestrutura e atividades públicas que estimulem as inovações. O aumento do custo do trabalho, por sua vez, estimula novas ondas de investimento em máquinas que poupam trabalhadores, mas aumentam ainda mais a produtividade. Assim o sistema vai se retroalimentando em um ciclo virtuoso.

As manufaturas permitem aumentos significativos de produtividade, pressionam salários e lucros para cima. O oposto ocorre em economias pobres, que se dedicam a commodities

O oposto ocorre em economias pobres que se dedicam a atividades com baixos retornos de escala, especialmente extrativismos de commodities. Os salários reais não sobem de forma consistente, pois não há ganhos de produtividade relevantes no sistema. Não há excedentes para aumentos de lucros, poupança e tributação.

Nesse caso o sistema fica preso em uma armadilha de pobreza; um círculo vicioso sem investimentos e inovações tecnológicas relevantes, dependente das oscilações do mercado mundial de commodities: a boa e velha história da América Latina.

Quem escreveu esse texto

Paulo Gala

Professor da FGV-SP, é autor de Complexidade Econômica (Contraponto).

Matéria publicada na edição impressa #3 jul.2017 em junho de 2018.