Economia,

Não fuja da economia

Coletânea para leigos aborda temas relevantes de economia, apesar da falta de informação e didatismo em alguns textos

29out2018 | Edição #16 out.2018

Explicar temas da conjuntura econômica brasileira, analisar o impacto de políticas públicas e desvendar fenômenos do nosso cotidiano que envolvem uma explicação econômica: é essa a intenção da coletânea de artigos Economês em bom português, escrita por economistas competentes e atualizados na literatura econômica.

Há boas discussões neste livro prefaciado por Armínio Fraga. Mas, apesar da linguagem coloquial e da parcimônia no uso de termos técnicos, ele nem sempre é suficientemente didático. Em alguns artigos faltam dados, evidências empíricas e informações que ajudariam o leitor não apenas a compreender a importância dos temas, como também saber que não se trata de meros palpites, mas sim de resultado de pesquisa séria.

A primeira parte, “Conjuntura Econômica”, não consegue explicar o cerne do debate dos últimos anos a ponto de ajudar um leigo a entender o momento do país. A grave crise econômica que ainda nos assola faria jus a uma explicação. Há problemas já no primeiro artigo, que tenta explicar por que o ajuste fiscal sozinho não fará o Brasil crescer: uma boa parte das pessoas, provavelmente, não sabe nem o que é ajuste fiscal. 

A proposição de uma agenda de crescimento envolve temas complexos que são resumidos de forma muito esquemática. Cada tópico valeria um artigo com exemplos e referências empíricas, tendo em vista argumentos alternativos na praça. O livro não começa muito bem e pode, de cara, perder alguns leitores.

Vale a pena prosseguir a leitura. Alguns textos iniciais são muito bons, como o que questiona a Lava Jato como a “mãe da crise”, ao comparar o crescimento econômico da Itália, que teve a Operação Mãos Limpas — análoga à brasileira —, com o da França, onde não houve operação anticorrupção dessa magnitude. 

Há enorme mérito em discutir a reforma da Previdência, a mais importante de todas. A medida é necessária para evitar a deterioração da economia Brasileira.  Fica devendo uma discussão sobre o grave problema dos Estados, que têm em média 40% da folha comprometida com aposentadorias e pensões.  

São curiosos e bem encaminhados: o texto que compara o crescimento do Brasil com o das duas Coreias; o que discute os custos da burocracia; e ainda o que defende produzir nosso papel moeda no exterior, em vez de utilizar a Casa da Moeda. 

Meritocracia e sorte

“Desigualdade e políticas sociais”, a segunda parte do livro, aborda assuntos essenciais. Teria sido bom deixar mais claro que o crescimento econômico não é suficiente para evitar a desigualdade de renda, e que ela pode atrapalhá-lo. Há textos explicando que nem toda desigualdade é maligna e que, portanto, nem sempre precisa ser combatida pelo Estado: aquela decorrente de meritocracia é desejável, pois é estímulo para as pessoas estudarem, trabalharem e produzirem. Discute-se também a de tipo perverso, fruto de proteções governamentais e da disparidade de oportunidades e favores. Neste caso, o destino dos indivíduos é bastante definido pela sorte.

Merecia mais explicação a diferença entre economistas desenvolvimentistas e neoliberais

Ganham boas análises as políticas públicas como o Bolsa Família, que teve sucesso por seu baixo custo e melhora dos indicadores sociais; os efeitos colaterais da política de salário mínimo a partir de determinado limite; o mérito do FIES diante da ausência de crédito estudantil, e o seu problema de falta de focalização nos mais pobres; e a importância de saneamento, saúde e educação, com importante crítica à universidade pública gratuita para os mais ricos.

Na parte “Economia do Cotidiano”, o livro avança sobre temas que não imaginamos estar ligados à teoria econômica. Alguns artigos são bem interessantes: o equívoco da proposta de passe livre no transporte público, pois beneficiaria também quem não precisa desta ajuda; a defesa da legalização da maconha como forma de reduzir a violência; e a discussão sobre a remuneração das mulheres no mercado de trabalho a depender da demanda pelo serviço — jogadoras de futebol ganham menos em relação aos homens e, por outro lado, modelos mulheres ganham mais. Há até tópicos divertidos como o que analisa a influência da ordem das cobranças de pênalti no resultado do jogo de futebol.

Em boas provocações, critica a decisão do Judiciário de permitir desconto pleno no Imposto de Renda dos gastos com educação de magistrados em São Paulo, o mau uso do FGTS e a proposta para acabar com a profissão de cobrador de ônibus.

Merecia mais explicação a diferença entre economistas desenvolvimentistas e neoliberais, já que muitos acreditam que os últimos não se preocupam com o bem-estar social. Valeria a pena ter explicado a diferença do debate econômico no Brasil e no resto do mundo, que se baseia muito mais na pesquisa empírica — algo não valorizado pelos desenvolvimentistas. 

Não fica clara a linha divisória entre a terceira e a quarta parte. Uma melhor arrumação dos capítulos ajudaria. Talvez agrupá-los por temas: o funcionamento dos mercados (englobando os artigos sobre Uber, Airbnb, a vacina mais cara durante epidemias etc); a assimetria de informação (o óculos mais caro na praia para turistas e o maior salário das babás); economia comportamental (ovo de Páscoa e a emoção no mundo dos negócios) e assim por diante. 

O quarto capítulo traz polêmicas que merecem reflexão, como os conselhos profissionais que reduzem a concorrência nos mercados e as decisões judiciais que obrigam o Estado a arcar com custos elevados de saúde para poucos em detrimento dos demais. São bem interssantes os artigos como o que discute a razão para os países terem forças armadas e o que compara a economia com o trânsito, pois ambos precisam de regras.

Finalmente, o último artigo, sobre a importância das instituições para o crescimento econômico de um país, carece de um fecho: ressaltar a importância de boa regulação do Estado na economia e de políticas públicas bem desenhadas, em alinhamento com todos os temas discutidos.  

Quem escreveu esse texto

Zeina Latif

É economista-chefe da XP Investimentos.

Matéria publicada na edição impressa #16 out.2018 em outubro de 2018.