Direito, Economia,

Luz e sombra

Coletânea expõe insuficiências e potencialidades da análise econômica do direito

21nov2018 | Edição #13 jul.2018

Julgar um livro pela capa, descobre-se desde cedo, deve ser evitado. A nova obra de Luciano Timm, porém, dá pistas sobre o seu conteúdo sem nem precisar ser aberta: um quadro de Claude Monet que compõe a famosa série da catedral de Rouen ilustra a capa da edição. É uma entre mais de trinta telas de mesmo tema, pintadas em diferentes horários do dia e estações do ano, para captar os efeitos da variação da luz. Monet representa a catedral não a partir de suas linhas e espaços, mas de como o artista pode explorar um mesmo tema por diferentes caminhos. Desloca, assim, o protagonismo do objeto para a percepção dos efeitos de luz que condicionam o olhar. O livro de Timm, que reúne artigos e ensaios curtos, concebidos ao longo de dez anos, segue essa trilha.

Os textos exploram polêmicas do debate sobre direito no Brasil contemporâneo, tais como a advocacia na economia globalizada e os limites do Judiciário para garantir “segurança jurídica”. As teses defendidas em cada um desses temas não são, contudo, o objeto central da obra. Assim como na catedral de Monet, o essencial está no ponto de vista adotado para abordá-los — no caso, o Law and Economics (L&E), a análise econômica do direito.

A obra cumpre o papel de divulgar essa abordagem que se consolidou nos EUA nos anos 1970 e que tem ganhado espaço no Brasil desde os anos 2000. O L&E é uma forma de pensar o direito que recorre à teoria econômica para examinar as normas e instituições jurídicas. Surge como crítica ao pensamento convencional, visto como incapaz de dar respostas adequadas aos fenômenos econômicos em razão do seu excessivo formalismo.

Reina um certo consenso epistemológico neoclássico no L&E. Seu pilar é a premissa de que mercados que operam em concorrência perfeita tendem a um equilíbrio se deixados funcionar livremente. O equilíbrio é uma situação de alocação eficiente de recursos, em que a melhora da situação para um agente implicaria a piora de outro. O direito, assim, deve ser avaliado a partir da sua contribuição para que os mercados se aproximem desse ideal de eficiência alocativa, tendo como função consertar “falhas de mercado” e reduzir “custos de transação”.

O livro é uma contribuição relevante ao debate sobre direito e economia no Brasil. Cabem, porém, as críticas historicamente apontadas ao L&E, que produziria algumas sombras ao se valer, por exemplo, de um conceito muito instrumental de direito (voltado para a promoção da eficiência) e esvaziado de sentido normativo (apenas como um sinalizador de sanções ou prêmios a agentes racionais). 

Timm revela seu incômodo com conceitos vistos como pouco funcionais à eficiência econômica, como a “função social”. Afirma como solução uma “lipoaspiração” da Constituição de 1988, sem lidar com o potencial problema da legitimidade democrática do padrão de beleza proposto. Por fim, as funções distributivas do direito são tangenciadas, se não silenciadas. Como sugerem as perspectivas mais ortodoxas do L&E, a eficiência alocativa “faz o bolo crescer”, gerando benefícios que, em algum momento, poderão ser repartidos. Contudo, este tema aparece de maneira lateral no livro. No contexto brasileiro, o caráter secundário atribuído a essa dimensão do direito é digno de nota.

O L&E joga luz potente sobre as conexões entre direito e economia, mas o objeto muda conforme a iluminação. Assim, também deve ser explorado o conhecimento produzido em outras bases, como na sociologia econômica e na sociologia do direito. São abordagens que permitem que a mesma catedral seja vista de formas diferentes e, quem sabe, complementares. 

Quem escreveu esse texto

Iagê Zendron Miola

É professor de direito da Unifesp.

Matéria publicada na edição impressa #13 jul.2018 em junho de 2018.