O poeta no divã

Está no ar o 451 MHz, o podcast da revista dos livros. Neste 126º episódio, o convidado é o poeta, editor e tradutor Carlito Azevedo. A conversa percorre os caminhos que levaram à criação de seu mais recente livro, Vida: efeito-V (7Letras), marcado pelas rupturas e reinvenções dos últimos oito anos de sua trajetória.

Carlito Azevedo é poeta, editor e tradutor. Ele estreou na literatura em 1991 com Collapsus Linguae (Lynx), que lhe rendeu o Prêmio Jabuti. Reconhecido por editar a revista Inimigo Rumor, publicada pela 7Letras, consolidou sua influência no cenário da poesia brasileira. A revista, um marco para os amantes dos versos no Brasil, deve voltar a circular em janeiro de 2025, editada por Azevedo e pela poeta Maria Eduarda Castro.

Recentemente, Azevedo lançou Vida: efeito-V, também pela 7Letras, marcando seu retorno após oito anos desde sua última publicação. Inspirado no efeito brechtiano de estranhamento (Verfremdungseffekt), o livro traz uma abordagem inovadora sobre a criação artística e a reinvenção pessoal, refletindo as transformações profundas que o autor vivenciou nesse período. Além disso, ministra oficinas de poesia online, mantendo um diálogo constante com leitores e aspirantes a poetas.

Poesia como travessia

A poesia, para Carlito Azevedo, não reflete a realidade, ela a atravessa, como uma sonda que rasga o invisível para revelar mundos possíveis, vibrando no espaço entre o dizer e o sentir. Em Vida: efeito-V, ele explora esse território de transformação, onde a escrita se torna uma força que desestabiliza o conhecido e expande as fronteiras do imaginável.

Aos 60 anos, Azevedo lançou-se ao desconhecido. Entre oficinas de poesia online e sessões de psicanálise, encontrou um campo fértil para a escuta e a reinvenção. “Foi na psicanálise que comecei a perceber como muitos dos meus padrões de escrita e de vida estavam cristalizados. Esse distanciamento, que Brecht chama de efeito de estranhamento, me ajudou a olhar para mim mesmo e para a poesia como algo a ser continuamente reinventado”, conta.

Estranhamento como método

Inspirado pelo efeito brechtiano, Azevedo apresenta a poesia como uma prática que desestabiliza o conhecido e aproxima o que parecia distante. Em Vida: efeito-V, cada poema convida o leitor a se deslocar de sua zona de conforto, criando um espaço de vizinhança entre o familiar e o desconhecido. Como afirma o autor, esses encontros – seja na página, na escuta ou na troca em comunidades — abrem novas possibilidades de existência.

Azevedo entende a poesia como uma experiência, onde algo nos acontece e nos transforma. Em suas oficinas online e nos encontros com comunidades, ela se manifesta como uma prática de abertura e exposição, capaz de romper padrões e inaugurar novas formas de estar no mundo. Assim, a poesia deixa de ser apenas uma expressão pessoal para se tornar um movimento vivo de reinvenção, que acolhe o imprevisível e ressignifica a relação entre vida e linguagem

“Na Rocinha, em Manguinhos e no Complexo do Alemão, vivi uma revolução. Não era só ensinar poesia; era ver como aqueles olhares reinventavam tudo que eu trazia, transformando cada texto, cada imagem, em algo que me devolvia uma nova forma de existir.”

Utopia

Para Azevedo, a poesia não é apenas uma prática estética; é uma utopia que, na experiência, se torna revolução. “A poesia é um espaço onde o impossível e o possível se encontram,” afirma. Em Vida: efeito-V, ele propõe um encontro com o inesperado, um deslocamento que nos permite imaginar novos mundos e novas maneiras de habitar o presente.

Essa utopia é, também, uma prática de resistência. “A arte é a possibilidade de não apenas ver o mundo, mas de transformá-lo”, diz o poeta. Com isso, ele desafia não apenas os leitores, mas a própria tradição poética brasileira, criando uma obra que é ao mesmo tempo íntima e coletiva, pessoal e política.

Transformações poéticas

O poeta nos lembra que a poesia não é estática, mas uma travessia em constante movimento. “Não me reconheço nos lugares onde estive, mas me encontro em todos os lugares que busco”, reflete. Em Vida: efeito-V, ele rejeita a ideia de uma “obra finalizada” e celebra o poema como um espaço em permanente transformação.

Ao longo de suas páginas, o livro entrelaça memórias de infância, rupturas pessoais e experimentações formais. Entre o corpo e a palavra, Azevedo constrói uma narrativa em que a vida é continuamente reescrita, como um campo fértil de descobertas e invenções

Mais na Quatro Cinco Um

Carlito Azevedo é um colaborador de longa data da revista dos livros. Em 2018, o poeta resenhou a coletânea de ensaios Sobre gatos (Autêntica, 2017), de Doris Lessing. “Para a autora sul-africana, qualquer dono de gato cuidadoso e observador sabe mais sobre felinos que as autoridades que os estudam”, escreve sobre a Nobel de Literatura no texto “No colo de Doris Lessing”.

Além disso, sua coletânea de contos Vida: efeito-V foi destaque entre Os melhores lançamentos do ano, escolhidos pelos nossos colaboradores. 

O melhor da literatura LGBTQIA+

O episódio traz uma sugestão da escritora Amara Moira, autora de Neca: romance em bajubá, lançado em 2024 pela Companhia das Letras e destaque na lista de Melhores do Ano da Quatro Cinco Um. Amara indica a coletânea de contos Dedo no cru y gritaria, de Mercedes Sonsa, publicada em 2022 pela Editora Urutau.

“Essa coletânea mergulha a fundo na sordidez, desfilando corpas transviadas que não se contentam com prazeres simples: os buracos que temos e as mil maneiras de penetrá-los, nossos fluidos, o papel da dor e da humilhação, tesão pelos ocós mais lixos e também o tchaca-tchaca gostosinho com boycetas”, diz Moira. “Agora imagina isso tudo numa linguagem babadeira, macunaímica, gozosa pencas!”

Confira a lista completa de indicações do podcast 451 MHz no bloco O Melhor da Literatura LGBTQIA+.