Repertório 451 MHz,

João do Rio na encruzilhada

A editora Ana Lima Cecilio e o historiador Luiz Antonio Simas conversam sobre o homenageado da Flip em 2024, um dos autores mais importantes do início do século 20

27set2024

Quem foi Paulo Barreto? Neste 120º episódio do 451 MHz, a editora e curadora da Flip deste ano, Ana Lima Cecilio, e o historiador Luiz Antonio Simas, autor de O corpo encantado das ruas (Civilização Brasileira, 2019), conversam sobre o jornalista, escritor e cronista João do Rio, homenageado pela Festa Literária de Paraty de 2024, que acontece de 9 a 13 de outubro na cidade histórica fluminense. O episódio foi realizado com apoio da Lei de Incentivo à Cultura. 

Ana Lima Cecilio é formada em filosofia pela USP e trabalha com o mercado editorial há mais de duas décadas, já tendo passado por editoras como CosacNaify, Globo Livros e Carambaia. Ela também foi curadora da livraria on-line Dois Pontos.

Luiz Antonio Simas é historiador, professor e babalaô no culto de Ifá. Carioca, ele está lançando Bestiário brasileiro: monstros, visagens e assombrações, a ser publicado pela Bazar do Tempo durante a Flip.

João do Rio (Arquivo da Biblioteca Nacional/Reprodução)

O personagem era a cidade 

Para Luiz Antonio Simas, João do Rio é um autor fundamental e incontornável para entender o Brasil de hoje. “Ao contrário do que o pseudônimo parece sugerir, João do Rio fala dos dilemas de todas as grandes cidades do mundo”, lembra o historiador.

Em suas crônicas, o escritor toca em assuntos como o urbanismo desenfreado brasileiro, o racismo religioso de um país em modernização e o passado escravocrata nacional.

Flanando pelas ruas cariocas, ele é “uma pessoa do Brasil em transformação”, diz a curadora Ana Lima Cecilio. “Ele observa uma cidade que se projeta racionalmente mas está fincada em um passado ligado ao horror da escravidão.”

Operando nessa contradição de passado e futuro, o escritor é conhecido como um dos inventores do jornalismo literário no Brasil.

É também “uma pedra fundamental no gênero da crônica, a nossa ‘jabuticaba’, o mais brasileiro dos gêneros”, relembra a curadora. João do Rio, diz Cecilio, tem “uma compreensão da cidade pelo que há de vivo nela”. 

Biografia encruzilhada

João do Rio é um autor encruzilhado. O escritor, afirma Simas, vivia em “uma cidade encruzilhada entre um passado e um presente profundamente atravessados pela experiência da escravidão e da reconstrução de sentidos de vida”. 

Experiência essa que atravessa seus escritos, “encruzilhados entre crônica, reportagem e ensaio”, como relembra Simas.

Capa de João do Rio: vida, paixão e obra

A trajetória do cronista, morto aos 41 anos, dentro de um táxi nas ruas do Rio de Janeiro, também é tema da conversa. A editora e o historiador citam a biografia João do Rio: vida, paixão e obra, escrita por João Carlos Rodrigues (Civilização Brasileira, 2010). 

Rodrigues foi um dos primeiros a pesquisar a vida do escritor. O livro conta como João do Rio foi um arquétipo incomparável de sua época em uma cidade oficialmente fundada para expulsar franceses. Um Rio de Janeiro que, de acordo com Simas, em um certo momento resolveu ser uma cidade francesa para negar que era africana: “Ele está banhado nisso, entre o assombro, o horror e o fascínio”.

Terno cor esmeralda

Ana Lima Cecilio relembrou ainda do fascínio do escritor por um outro observador arguto da sociedade de sua época: o irlandês Oscar Wilde. De acordo com a curadora, João do Rio foi o maior divulgador do escritor e poeta, tendo traduzido uma edição de O retrato de Dorian Gray.

Capa de Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde 

Para Cecilio, a obra dos dois possui ressonâncias, especialmente em relação à temática sexual. “Uma sexualidade entre a atração e a repulsa”, comenta Cecilio. Diz a lenda, recontada por Cecilio e Simas, que João do Rio comprava ternos verdes se inspirando em Wilde. 

Maneiras de homenagear

Os convidados recomendam lançamentos e reimpressões do mercado editorial para conhecer a obra de Paulo Barreto. Ana Lima Cecilio indica O fim do maxixe: João do Rio e outros pseudônimos de Paulo Barreto. Crônicas, que reúne 31 crônicas inéditas em livro, escritas entre 1903 e 1918. O livro é organizado por Juliana Bulgarelli e está sendo lançado pela Chão Editora.

Capa de O fim do maxixe: João do Rio e outros pseudônimos de Paulo Barreto – Crônica, de João do Rio

A Carambaia está lançando Gente às janelas: crônicas, uma homenagem ao autor que foi o primeiro brasileiro publicado pela editora, há dez anos. As crônicas saem em edição comemorativa. 

Capa de Gente às janelas, de João do Rio

Já a José Olympio está publicando A alma encantadora das ruas, com introdução e notas escritas por Simas.

Capa de A alma encantadora das ruas, de João do Rio

Cecilio também indica a leitura de Júlia do Rio: crônicas da belle époque carioca (Bazar do Tempo, 2024). O livro reúne quarenta e seis textos publicados no jornal O Paiz no período de 1908 a 1912 pela carioca Júlia Lopes de Almeida, contemporânea de João do Rio.

Capa de Júlia do Rio, de Júlia Lopes de Almeida

Mais na Quatro Cinco Um

Colaborador de primeira hora da revista dos livros, Luiz Antonio Simas participou recentemente do episódio “Camões, fogo ardente” do 451 MHz em homenagem aos 500 anos do poeta português.

Em 2020, o historiador e escritor publicou uma resenha sobre Erêmi: o guia da Umbanda para crianças de axé (ou de outra fé) para a edição #38. No ano, ele resenhou também Nada digo de ti, que em ti não veja, romance de Eliana Alves Cruz. 

O melhor da literatura LGBTQIA+

O episódio traz uma sugestão da escritora Luisa Geisler, autora de Quiçá, publicado pela Alfaguara neste ano. Ela indica o livro O beijo da Mulher-Aranha, de Manuel Puig, traduzido por Glória Rodriguez e publicado em 2013 pela José Olympio. O livro deu origem ao filme homônimo de 1985, dirigido por Hector Babenco, com William Hurt, Raul Julia e Sonia Braga.

O Beijo da Mulher Aranha, do Manuel Puig, pela José Olympio

“O livro conta a história de dois prisioneiros em uma cela no terceiro governo de Perón. Um deles é um militante revolucionário de esquerda e a outra é uma transexual acusada de corrupção de menores. Ambos começam a criar uma relação complexa, com um fundo poético em conversas sobre cultura pop, especialmente cinema”, conta Geisler.

Confira a lista completa de indicações do podcast 451 MHz no bloco O Melhor da Literatura LGBTQIA+. 

O 451 MHz é uma produção da Associação Quatro Cinco Um.

Apresentação: Paulo Werneck
Produção: Mariana Shiraiwa e Mauricio Abbade
Edição: Igor Yamawaki
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Finalização e mixagem: Igor Yamawaki
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Para falar com a equipe: [email protected]