Trechos,

O lugar da ação social

Em livro de memórias, Neca Setubal narra trajetória profissional e a decisão de investir seu legado no desenvolvimento do Brasil; leia trecho

11jun2024 - 15h11
(Bob Wolfenson/Divulgação)

O que cada um de nós pode fazer para ajudar o Brasil a superar seus desafios históricos e se tornar mais justo e igualitário? A socióloga Neca Setubal responde a essa pergunta no livro de memórias Minha escolha pela ação social: sobre legados, territórios e democracia. Com prefácio de Sueli Carneiro, o título será lançado nesta terça-feira (11/6) pela Tinta-da-China Brasil na Livraria da Vila da rua Fradique Coutinho, em São Paulo, a partir das 18h. 

O livro nasceu do desejo da autora de compartilhar sua escolha de priorizar o trabalho social e a filantropia em vez de uma carreira empresarial. Ao recuperar o contexto político desde sua formação em ciências sociais, na década de 80, até hoje, com o amadurecimento do debate público na sociedade brasileira, a autobiografia constitui um roteiro para quem deseja atuar em projetos sociais. 

Pioneira do terceiro setor no país, Neca ajudou a fundar instituições e projetos sociais dedicados à melhoria dos indicadores de educação, sustentabilidade e desenvolvimento. Nos anos 90, esse trabalho ganhou dimensão internacional, quando assumiu um posto no escritório latino-americano do Unicef, na Colômbia.

Nos anos 2000, ela tomou a decisão de atuar por meio de uma fundação própria, inspirada no legado de ação social que recebeu de sua mãe. Na década de 2010, Neca embarcou em uma nova experiência: a política — um legado recebido do pai, narrado pela primeira vez em Minha escolha pela ação social. Hoje, atua à frente da Fundação Tide Setubal, criada em 2005, e está presente em conselhos das mais diferentes organizações públicas e privadas. 

Fonte de inspiração para quem quer realizar projetos de transformação social, este livro explica o caminho desde a primeira aproximação, a construção da interlocução com a comunidade e o momento de pôr a mão na massa — caminho nem sempre fácil e repleto de desafios, resistências, momentos de impasse, atritos e contradições que a autora não evita abordar. Leia um trecho a seguir. 

Trecho de ‘Minha escolha pela ação social: sobre legados, territórios e democracia’

A memória sempre presente da minha mãe me abriria mais um caminho importante no começo dos anos 2000. Ao recuperar seus escritos para um projeto familiar, entendi o pioneirismo do trabalho social que ela realizou na época em que meu pai foi prefeito de São Paulo, nos anos 1970. Àquela altura, eu já atuava na educação pública, com incursões no campo da cultura. Mas compreender a história e o trabalho que minha mãe realizara trinta anos antes — e o que havia de visionário em seu pensamento — me causou um impacto enorme. Senti necessidade de fazer alguma coisa com aquele turbilhão emocional que me tomou de forma intensa e inexplicável. Foi nesse contexto que iniciei uma nova trajetória, agora no campo da filantropia — ou, como se denomina no Brasil, do investimento social privado. Como sempre respondo quando algum jornalista me pergunta, em nenhum momento precisei romper com minha família para tomar uma ou outra direção, pois sempre me mantive afastada das funções do banco. Pelo contrário: sempre me senti respeitada em todas as minhas decisões, mesmo nas muitas vezes em que tivemos opiniões divergentes. O legado do meu pai, de ouvir e conviver composições diferentes, permanece vivo entre nós.

O desassossego causado ao rememorar a história de minha mãe resultaria na criação, em 2005, da Fundação Tide Setubal, sob minha direção e com um Conselho que conta com a participação de alguns dos meus irmãos. A Fundação detém um fundo patrimonial, composto de recursos doados por mim, usados para realizar ou apoiar projetos próprios ou de terceiros. O Ministério Público verifica anualmente as contas e avalia se os projetos estão cumprindo a missão institucional — sempre de forma pública a explícita.

Com uma trajetória de mais de vinte anos na educação, além de experiências de empreendedorismo — primeiro a pré‑escola, depois o hotel na fazenda —, eu não me via como filantropa, e sim como diretora de uma organização não governamental, como é o perfil do Cenpec. Mas ao criar uma fundação familiar com o nome de minha mãe, e ocupar a presidência, tive de assumir o lugar da filantropia.

Não queria ser confundida com os super‑ricos que fazem caridade, de visão assistencialista; tampouco desejava que a organização ganhasse o rótulo de fundação empresarial, isto é, atrelada à gestão e aos objetivos de uma empresa. Por melhores que essas iniciativas sejam, eu estava convicta de que poderíamos ter uma fundação familiar com características próprias. E o fato de ela não estar ligada a uma marca de mercado nos daria mais liberdade.

A ideia era atuar com desenvolvimento local, a partir dos princípios de justiça social e de participação cidadã, e sempre em busca de uma articulação com as políticas públicas. Escolhemos como foco o distrito de São Miguel Paulista, área pobre da zona Leste de São Paulo onde minha mãe concentrara seus esforços de ação social nos tempos de primeira‑dama. Como integrante de uma família empresária do setor financeiro, eu passava a atuar como protagonista em uma periferia urbana de São Paulo, enfrentando as desigualdades sociais. Mais uma vez, eu me via em uma encruzilhada de contradições. Além disso, apesar dos meus esforços para desvincular as instituições, era comum que houvesse uma confusão entre a Fundação Tide Setubal e o banco Itaú.

Minha história é permeada por esse tipo de contradição. A possibilidade de viver em mundos distintos sem perder a coerência e a consistência foi algo que tive de construir. Busco superar esse dilema — talvez aparente mesmo para quem não me conhece muito — colocando o trabalho social como prioridade. Meu compromisso de vida é com um país justo, que garanta a todas as pessoas a possibilidade de uma vida digna. Essa direção esteve presente ao longo de toda a minha vida, em meu jeito de ser, fazer, educar e pensar. 

Acredito que só quando todos tivermos um país melhor, menos desigual e mais sustentável poderemos viver com liberdade, leveza e dignidade, sem ter de enfrentar tanta violência.

Lançamento do livro de memórias Minha escolha pela ação social: sobre legados, territórios e democracia (Tinta-da-China Brasil) 

Data: 11 de junho 
Hora: 18h
Local: Livraria da Vila
Endereço: Rua Fradique Coutinho, 915 – Vila Madalena, São Paulo
Valor: gratuito