
A Feira do Livro, Poesia,
Rashid e Mel Duarte destacam a força das palavras na cultura hip hop
Rapper e slammer discutiram n’A Feira do Livro o papel das periferias na renovação da poesia brasileira
06jul2024 • Atualizado em: 10jul2024“A cultura hip hop está atrelada, abraçada, à literatura.” A frase do rapper Rashid, logo no começo da mesa “Slam, rap e periferia”, na noite de sexta (5), n’A Feira do Livro, foi como uma declaração de princípios para o encontro entre ele e a slammer Mel Duarte. Os dois refletiram sobre a contribuição de movimentos como o rap e o slam para a renovação da poesia brasileira hoje.
Na conversa conduzida pela jornalista Izabela Moi, fundadora da Agência Mural, que há quinze anos faz cobertura jornalística independente nas periferias de São Paulo, eles enfatizaram a força incomum que as palavras têm na cultura hip hop. Os dois também compartilharam um pouco de suas trajetórias artísticas, moldadas pela descoberta da escrita, pela música e pela junção das duas na poesia falada.

“É muito gostoso poder falar o que a gente escreve. Escrever é uma coisa muito solitária e quando colocamos para fora é que vemos se chega no outro e faz sentido”, disse Mel, que estreou em 2013 com o independente Fragmentos dispersos (2013) e é autora de outros quatro títulos — incluindo a organização da antologia de poesia de mulheres negras Querem nos calar (Planeta, 2019) e Colmeia: poemas reunidos (Philos, 2021).
Contar a própria história
Para Rashid, que entrou no radar do rap brasileiro depois que seu álbum Crise foi apontado como um dos cinquenta melhores discos nacionais de 2018 pela revista Rolling Stone Brasil, publicar é resultado da crença em “tomar de volta nossa narrativa, contar nossa própria história e deixar algo enquanto ancestral de quem está por vir”. O rapper é autor de Ideias que rimam mais que palavras (LiteraRUA,Foco na Missão, 2018).
“A cultura brasileira é imensamente rica de várias formas. Existe um universo inteiro para ser conhecido e reconhecido”, apontou, citando a recente leva de publicações de autores ou grupos oriundos das periferias brasileiras, como o carioca MV Bill e os paulistanos Emicida e os membros do grupo Racionais MC’s.
Do fascínio por frases do grafite às batalhas de rima, como a lendária Batalha do Santa Cruz, que existe há quase duas décadas na estação homônima do metrô paulistano, Rashid disse ter encontrado evidências de que as palavras fortalecem a “missão” mais ampla do hip hop. “Ocupar espaços, furar bolhas, é importante. Mas é também sobre mudar a perspectiva das pessoas sobre elas mesmas”, explicou.
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“Às vezes podemos perguntar: quem vai querer ler o que a gente escreve? Mas há pessoas que estão interessadas”, disse, lembrando do impacto que sentiu com a leitura do clássico Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus. “Vi minha própria mãe ali.”
Poetas mortos
No caso de Mel Duarte, a força das palavras foi sentida nos saraus que descobriu na adolescência. “Era uma galera que também gostava do que eu gosto e eu podia acessar”, ao contrário dos “poetas todos mortos” que lia na escola. “No slam, no rap, estamos falando de palavra e a palavra é o que molda tudo ali”.
Ela ainda destacou a capacidade que a poesia falada tem de cativar ouvintes, especialmente as crianças. “A presença física faz a palavra chegar de maneira mais forte. Acredito muito na força da poesia para ajudar a molecada a ter discernimento”, disse.
Tanto Mel quanto Rashid relataram encontros que tiveram com crianças para falar de literatura, em escolas de regiões periféricas de São Paulo ou em bate-papos em comunidades como a Vila da Paz, na Brasilândia, zona norte da capital.
A slammer lembrou ainda de uma mensagem que recebeu de uma professora da cidade de Barreiras, na Bahia, contando que seus alunos tinham escolhido um livro dela para discutirem numa atividade de leitura. “Sentei e chorei”, disse Mel sobre o momento em que soube do episódio.
Questionados sobre a chamada “literatura marginal” ser muitas vezes tratada como nicho, os poetas disseram considerar isso uma consequência do mercado e do capitalismo.
“Para mim é tudo literatura, consumo com o mesmo afinco. Divisões envolvem questões internas, mas como leitor olhando para a prateleira enxergo tudo como literatura”, disse Rashid.
“É uma necessidade do capitalismo colocar coisas em caixas, para convidar um público específico a acessar aquilo. Para uma pessoa leiga pode ser importante, mas para artistas é limitador”, completou Mel. “Espero que a gente chegue no momento em que quando falarmos de slam ninguém vai mais questionar se é literatura.”
A Feira do Livro 2024
29 jun.—7 jul.
Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização da Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos voltada para a difusão do livro no Brasil, e da Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais. O patrocínio é do Grupo CCR, do Itaú Unibanco e Rede, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, da TV Brasil e da Rádio Nacional de São Paulo.
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