Fotografias de Matias Maxx.

A Feira do Livro, Poesia,

Bruna Beber e Gregório Duvivier celebram a graça da poesia n’A Feira do Livro

Sob a bênção de Oswald de Andrade e gargalhadas da plateia, autores compartilharam a origem de sua produção poética e seu humor, e leram trechos de seus poemas

04jul2024

A mesa “Poesia na Praça”, que reuniu a poeta Bruna Beber e o ator e escritor Gregório Duvivier para um encontro n’A Feira do Livro na quarta-feira (3), começou sob as bênçãos de Oswald de Andrade. O mediador Fernando Luna, colunista da revista Quatro Cinco Um, introduziu o tema da conversa citando um poema do modernista composto de apenas duas palavras – “Amor/ Humor” – que caracterizam a produção poética dos dois autores.

Para uma plateia lotada, Beber contou ter descoberto que a poesia pode ser engraçada no próprio desenrolar de sua escrita. “Humor sempre foi importante na minha casa, é o modo como minha família encara a vida. Tudo o que aparecia de forma trágica tínhamos obrigação de olhar com leveza. Percebi que a graça precisa fazer parte do que escrevo.” 

Duvivier, talvez mais conhecido como humorista, disse ter se apaixonado pela poesia por causa do humor, algo marcante no cânone dos autores brasileiros: Gregório de Matos, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, entre outros — o que revelou a graça do gênero para o humorista. “[Bandeira] escreve coisas como ‘quero quero/ mas basta de lero lero’. Parece ‘pirulito que bate bate’.”

Luna, também mestre na leveza e na graça, lembrou que o humor pode ser, além de “uma técnica de defesa pessoal”, uma forma de “fazer amigos e influenciar pessoas”, perguntando se isso não seria uma maneira de aproximar o leitor. 

“O grande problema do escritor brasileiro é que ele escreve de terno, segundo Nelson Rodrigues — que tirou esse terno”, disse Duvivier. O “traje formal” na escrita afastaria o leitor comum, enquanto a poesia mais humorística (e também coloquial) seria um jeito de atraí-lo.

As redes sociais também ajudam a poesia a circular e atingir outros círculos. Mas Duvivier contou não ser muito fã de publicar seus textos nas redes: “Se o que escrevi tem cara de like, jogo fora. Amo livro físico, meu sonho é que as pessoas saiam da rede para ler um livro. O celular nos curva e nos faz menor”.

Beber, que acabou de ganhar o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte por seu livro Veludo rouco (Companhia das Letras, 2023), disse que também não gosta de escrever para atender demandas dos algoritmos, mas que pode acontecer de acordar e pensar: “Quero jogar [o poema] na fibra óptica”.

Conteúdo e forma

Os escritos de Beber e Duvivier se cruzam no humor e na escolha de temas considerados menos “nobres” — Luna lembrou que ambos escreveram poemas dedicados à omoplata, “tão injustiçada por Homero e Dante”. São poetas do assombro do comum, da vida ao rés do chão.

“Também sou abertamente lunática”, disse Beber. “Esse espaço entre a lua e o rés do chão é o que me alimenta, é o olhar de quem anda na rua. Minha poesia está ficando cada vez mais crônica.”

Duvivier, que também escreve crônicas, se alimenta desse assombro do comum para recuperar o olhar de quem vê o mundo pela primeira vez. Daí pode surgir um poema, uma crônica e até uma esquete para o Porta dos Fundos, contou.

A poeta, escritora e tradutora Bruna Beber

Multiplataforma, como se diz hoje em dia, Beber também compõe músicas. Alguns de seus versos mais conhecidos estão na parceria com a cantora Letrux, como a canção “Que estrago”, que já teve seis milhões de audições, segundo Luna. Quando cantou essa música pela primeira vez, no Circo Voador, no Rio de Janeiro, Beber diz que se sentiu como uma poeta russa. “Tinham umas 3.500 pessoas cantando meus versos.”

Para Duvivier, não há hierarquia entre a poesia no papel e a cantada. “Depois do Bob Dylan, cadê nosso Nobel? Há poetas que a gente sabe na ponta da língua por causa da música, a MPB deu o biscoito fino para as massas”, afirmou, lembrando mais uma vez Oswald de Andrade, espécie de padroeiro da mesa sobre poesia e humor.

O ator, escritor e poeta carioca Gregorio Duvivier

Além de humorista e poeta, Duvivier organizou o volume Poema-piada: breve antologia da poesia engraçada (Ubu, 2017) — a primeira no gênero no Brasil —, contou Luna. “Eu me arrependo um pouco, essa posição de curador é horrível, muitos reclamaram por não ter entrado”, revelou Duvivier.

Beber, no entanto, entrou na seleção do colega, com “Romance em 12 linhas”, que diz ter escrito para se vingar da ex-namorada, e que viralizou nas redes. O poema está no livro Rua da padaria (Record, 2013). 

Falar do amor no registro do humor também caracteriza poemas de Duvivier, como “Amor de supermercado”, do livro Ligue os pontos: poemas de amor e big bang (Companhia das Letras, 2013), que começa com um encontro na prateleira de leite desnatado; ou os de Sonetos de amor e sacanagem — os melhores antídotos para o mito do amor romântico, segundo Luna. 

Para deleite da plateia, os autores leram estes e outros poemas — incluindo o “Soneto da Faria Lima”, declamado pelo carioca Duvivier com sotaque paulistano “farialimer”. Aliás, os dois poetas nascidos no Rio de Janeiro declararam com todas as letras (e alguns versos) seu amor por São Paulo.

Pela audiência que lotou o Palco da Praça no meio da semana, eles poderiam continuar fazendo samba e humor até (muito) mais tarde, mas o mediador teve que finalizar a mesa e citou um poema de Beber:

Limão
Se a vida te der, agradeça.

A Feira do Livro 2024

29 jun.—7 jul.
Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização da Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos voltada para a difusão do livro no Brasil, e da Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais. O patrocínio é do Grupo CCR, do Itaú Unibanco e Rede, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, da TV Brasil e da Rádio Nacional de São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34).

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