
Listão da Semana,
Os diários de Virginia Woolf e mais sete lançamentos
Uma seleção dos escritos de Woolf trazendo acontecimentos mundiais, tragédias íntimas e alívios cotidianos chega às livrarias
10dez2021 | Edição #52Quando tinha catorze anos, Virginia Woolf começou a escrever sistematicamente seus cadernos de diários. De 1897, ano em que morreu sua meia-irmã, a 1941, quando Woolf se suicidou, aos 59 anos, ela produziu 38 volumes de diários. Uma seleção dos escritos cobrindo todo esse período está sendo lançada no Brasil nesta semana. A escolha das entradas dos diários foi feita pela professora e pesquisadora Flora Sussekind e a tradução ficou a cargo da poeta Angélica Freitas. Nos textos, Virginia Woolf anota impressões sobre seus pares intelectuais, os acontecimentos mundiais que mudaram a história da humanidade, como a Primeira Guerra, suas tragédias íntimas e seus alívios cotidianos. Também nos diários, Woolf anota sobre seus processos de escrita e experimentos literários.
Completam a seleção da semana a reedição do fotolivro Viagem pelo fantástico, de Boris Kossoy, acompanhada por um caderno de textos sobre a carreira do fotógrafo, uma análise de Jacques Rancière sobre histórias breves de Guimarães Rosa, a estreia na literatura do compositor pernambucano Otto, um romance afrofuturista de Fábio Kabral, uma nova tradução do Inferno de Dante, o primeiro livro de ficção da socióloga Cristina Meirelles e o primeiro livro para o público adulto do premiado autor de infantojuvenis Alexandre Rampazzo.
Viva o livro brasileiro!
Os diários de Virgínia Woolf: uma seleção (1897-1941). Virginia Woolf.
Org. Flora Sussekind • Trad. Angélica Freitas • Rocco • 432 pp • R$ 129,90
Uma seleção das anotações da escritora modernista desde 1897, quando começou a escrever diários, aos catorze anos, até sua morte, em 1941, aos 59 anos. O livro traz escritos sobre acontecimentos importantes em sua vida (o casamento com Leonard Woolf, a Primeira Guerra Mundial, as dificuldades para publicar seus romances, o início da Segunda Guerra) e suas relações com a intelectualidade da época, além de anotações sobre seu processo de escrita de livros e experimentos literários.
Trecho do livro: “A Civilização encolheu. As comodidades estão definhando. Não há gasolina hoje, então voltamos às nossas bicicletas em Asheham, 1915. E uma vez mais L. e eu calculamos a nossa renda. Posso dar a A. sua mesada? Quanto precisamos ganhar os dois? Mais uma vez somos jornalistas. Ofereci-me para escrever um artigo, pedido pelo Times, sobre artistas e a crise; ofereci outros. Minha velhice independente está, portanto, a perigo” (23 de setembro de1939, logo após o início da Segunda Guerra Mundial).
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Viagem pelo fantástico + Revisitando Viagem pelo fantástico. Boris Kossoy.
IpsisPub • 152 pp • R$ 150
O fotógrafo e historiador da fotografia lança uma nova edição de seu fotolivro de 1971, acrescido de um caderno especial de textos que contextualizam a carreira de Kossoy, hoje professor titular aposentado da ECA-USP. O livro mostra a súbita irrupção do suspense, do trágico, do fantástico e do absurdo na vida cotidiana a partir de dez sequências fotográficas inspiradas no realismo mágico da literatura latino-americana (Cortázar, Borges, García Márquez) e nos filmes de Hitchcock.

Boris Kossoy, A Montanha (da série Viagem pelo fantástico), Serra Negra, SP, 1971
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João Guimarães Rosa: a ficção à beira do nada. Jacques Rancière
Trad. Inês Oseki-Dépré • Posf. Eduardo Jorge de Oliveira • Relicário • 80 pp • R$ 39,90
Mais Lidas
Nesta conferência de Rancière na Universidade de Zurique, em 2019, o pensador francês analisa a ficção de Rosa, a quem ele já havia dedicado o último ensaio de seu livro As margens da ficção (2017). Na conferência, ele destaca que as histórias breves de Rosa de Primeiras estórias e Tutameia “são menos histórias breves do que bordas de história”, que estão todas na beira do nada: “A verdadeira linha decisiva em que a ficção se constrói e ganha sentido é a que separa o ‘nada está acontecendo’ do ‘está acontecendo alguma coisa’. A ficção moderna é a ficção do momento e do ato às bordas do nada. Esse nada não é o ‘Nada’, é o comum do tempo que passa e da vida repetitiva. Ora, podemos dizer que é essa fronteira entre o nada e o acontecimento que fica no centro de todas as narrativas de Rosa”.
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Meu livro vermelho. Otto.
Impressões de Minas • 172 pp • R$ 70
O cantor e compositor pernambucano estreia na literatura com este diário, uma seleção de textos, reflexões, fotografias e poemas originalmente publicados no perfil do Instagram do compositor entre 2014 e 2019.
Trecho do livro: “Olhei de lado, escapei das coisas/ que estão prontas./ Quis refazer os montes de solidão/ quis escrever uma canção pra ela,/ quis entender o interior da minha/ alma, quis”.
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O blogueiro bruxo das redes sobrenaturais. Fábio Kabral.
Malê • 262 pp • R$ 48
Terceiro romance da série afrofuturista de Fábio Kabral, co-fundador do site O Lado Negro da Força, que destaca a presença negra na cultura pop, e autor de O caçador cibernético da Rua Treze e A cientista guerreira do facão furioso. O livro narra a história de Joselito Abimbola, um blogueiro popular das redes sobrenaturais que compete por visibilidade, estimulando disputas e debates com conteúdo odioso e violento. Em razão de experiências de uma empresa, as pessoas derrotadas nos combates mortais das caixas de comentários se tornam espíritos malignos que povoam as redes. Confrontado com sua vaidade e superficialidade, Joselito é chamado para destruir o núcleo que transforma as pessoas canceladas em monstros.
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Inferno. Dante Alighieri.
Trad. Emanuel França de Brito, Maurício Santana Dias e Pedro Falleiros Heise. Ils. Evandro Carlos Jardim • Companhia das Letras • 560 pp • R$ 124,90
Edição bilíngue com a nova tradução da primeira parte da Comédia de Dante, um marco da literatura ocidental, na qual o poeta é conduzido por Virgílio em uma jornada pelos nove círculos do inferno, expondo os pecados (luxúria, gula, avareza etc.), os demônios e os sofrimentos impostos aos pecadores. A obra é ilustrada por 22 gravuras do pintor Evandro Carlos Jardim, que tem obras nos acervos do Masp, MAC-USP, Pinacoteca do Estado, MoMA e Metropolitan Museum de Nova York.
Leia também: Poetas, críticos e tradutores celebram Baudelaire, autor de Uma temporada no inferno.
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Poeira é chão que ninguém pisa. Cristina Meirelles
Confraria do Vento • 140 pp • R$ 49
Primeiro livro de ficção da socióloga paulistana reúne contos que combinam a banalidade da vida cotidiana com elementos fantásticos: a transmutação de um homem em árvore, uma vaca que evita um acidente, uma moça que se relaciona com um poste de luz, a obsessão de uma mulher pela figura de um touro. As narrativas percorrem temas como loucura, velhice, invisibilidade, silêncios e segredos.
Trecho do livro: "O inseto alaranjado arrisca um mergulho na água suja e verde da pia entupida. Desaparece atrás das pilhas de livros doados, meio úmidos, no canto inverso da sala minúscula. Final da madrugada. Clara liga a cafeteira e sai tateando em busca da caneca azul. Agora, com vento frio e silêncio, a janela bate, os olhos parecem que vão fechar a qualquer momento. Estica as pernas e espera o movimento diário e pontual de O., que entra e lhe entrega, sempre calada, o bilhete do dia".
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Coisas para deslembrar. Alexandre Rampazo.
O-tal/Editora Caixote • 40 pp • R$ 54
Uma narrativa lírica do premiado autor de livros infantis sobre a passagem do tempo e seu impacto sobre a memória e o esquecimento. A obra tem como protagonista uma mulher já idosa que observa uma série de fotografias numa parede enquanto vai se recordando de diversos momentos de sua vida. O trabalho marca a estreia de Rampazo no segmento de obras voltadas para leitores de todas as idades, numa coleção editada por Odilon Moraes.
Trecho do livro: “Lembro do silêncio da ausência. Lamentei os que se foram. Celebrei os que chegaram. Gosto de deslembrar. Vou cortar teus cabelos. Vou amarrar teus sapatos. Eu tenho uma história incrível pra contar”.
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Matéria publicada na edição impressa #52 em dezembro de 2021.