Arte e fotografia,

Ouro na caixa de sapato

Coleção de fotolivros mostra preciosidades garimpadas durante a quarentena por oito craques da fotografia brasileira

01jul2020

A quarentena tem sido um momento interessante para a fotografia, em especial o fotojornalismo, que por meio de coletivos e repórteres independentes vem documentando e dando significado à experiência de estar isolado em casa e ver as cidades vazias. Em outra direção, o isolamento também é convidativo para um olhar mais demorado para os acervos de imagens que acumulamos na era digital, seja em fotos armazenadas em nossos smartphones, seja em uma velha caixa de sapatos que guarda fotos antigas.

O fotógrafo Lucas Lenci e o designer André Matarazzo enxergaram essa possiblidade poética aberta pelo isolamento para lançar a coleção Quarentena Books, que reúne fotolivros de oito craques da fotografia brasileira, a partir de seus acervos e tendo como ponto de fuga a ideia de distanciamento social.

Oito feras do design foram convidadas para conceber graficamente cada volume, unidos apenas pelo formato (48 páginas). Os fotolivros são impressos em tecnologia on-demand, e quase metade do preço de capa será destinado a iniciativas de apoio a populações vulneráveis à Covid-19. O projeto editorial é realmente um sinal dos novos tempos: a comercialização é feita por um site especial, sem passar por livrarias; as equipes que realizaram os livros nunca se encontraram durante a produção; o confinamento forçou um retorno a antigos trabalhos guardados nos acervos de fotógrafos cujo foco de atenção normalmente estaria em outro lugar.

"Eu percebi que a commodity eu vendo, que é o tempo, ia sobrar sobrando", explica Felipe Lenci. Formado em desenho industrial, o fotógrafo e artista logo percebeu que o mesmo estava acontecendo com os designer gráficos, com projetos editoriais paralisados durante a pandemia. Convidou o amigo André Matarazzo a juntar fotógrafos e designers para tornar a quarentena um período produtivo. Em seguida, Fernando Ullmann, da Ipsis, entrou na parceria, o que permitiu que os livros "saíssem do PDF", como diz Lenci, com alta qualidade gráfica e viabilidade comercial em plena pandemia. 

Cristiano Mascaro, consagrado por imagens arquitetônicas e urbanas, apresenta uma série de retratos, resenhada na revista pelo fotógrafo Tuca Vieira. Claudia Jaguaribe, mestra na arte de clicar paisagens do Rio de Janeiro, voltou-se para as fronteiras que dividem os lotes das casas onde mora a burguesia paulistana. Rodrigo Koraicho questiona a sensação de confinamento da classe média com abafadas imagens de barracos de madeira onde se amontoam pessoas pobres em São Paulo. Os livros de Koraicho e Jaguaribe foram resenhados pelo editor e crítico Maurício Puls. 

Ana Carolina Fernandes apresenta figuras urbanas que vivem em eterno isolamento social: as travestis do centro do Rio. O ensaio foi resenhado na edição de julho pela crítica literária Amara Moira. Com suas composições labirínticas e fractais de áreas urbanas vistas de cima, Cássio Vasconcelos nos leva à vertigem das alturas. Daniel Klajmic mergulha em um lugar proibido em dias de Covid-19: o piscinão de Ramos. Suas fotos são comentadas na revista pela escritora portuguesa Djaimilia Pereira de Almeida.

Paulo Fridman apresenta retratos de tipos da Nova York dos anos 1980, dialogando com os protestos antirracismo que tomam as ruas dos EUA hoje. E Bob Wolfenson reuniu em seu fotolivro uma pequena amostra da tragédia que acometeu seu acervo fotográfico no início deste ano — o fotolivro foi resenhado pela colunista da revista Djaimilia Pereira de Almeida. Esta edição da Quatro Cinco Um traz textos sobre alguns desses fotolivros.

Quem escreveu esse texto

Paulo Werneck

É editor da revista Quatro Cinco Um.