A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras
MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM


A FEIRA DO LIVRO 2025,
Feminismo e políticas antirracistas dão a tônica do terceiro dia d’A Feira do Livro
As discussões desta segunda (16) giraram em torno de como a literatura pode ajudar a romper preconceitos na sociedade
17jun2025O terceiro dia d’A Feira do Livro foi marcado por conversas sérias e importantes em torno de temas como feminismo, antirracismo e religiosidades. A mesa que encerrou a noite trouxe uma conversa calorosa que espantou o frio da noite de segunda (16), reunindo as escritoras Mayra Cotta e Milly Lacombe, que debateram a necessidade do alcance coletivo da luta feminista na mesa Pensando bem, que teve mediação de Iara Biderman. “Se a gente não for colocar todo mundo para dentro, juntas, juntos e juntes, não vai funcionar”, disse Lacombe. “O feminismo não pode ser instrumento para melhorar a vida de algumas poucas mulheres, dentro do discurso do empoderamento, do privilégio, de ocupar o espaço que hoje é ocupado pelos homens, sem transformar”, afirmou Cotta.
Ambas concordaram que é impossível dissociar o feminismo de palavras como “revolução” e “luta de classes”. Lacombe citou, por exemplo, o uso do termo “inclusão” como uma terminologia que não dá conta de transformar a realidade. “A gente quer incluir nessa merda ou queremos mudar isso? Temos que falar revolução sem vergonha nenhuma, falar aborto sem vergonha nenhuma, mas a gente tem uma esquerda que não consegue fazer essas coisas. Mas a gente vai chegar lá.”
Preconceitos
Já a primeira mesa do dia, Racismo e antirracismo nas escolas, reuniu a educadora Iza Cortada, o artista e educador Moacir Simplício e a jornalista Raquel Santos, mediados pela escritora Tati Bernardi, para falarem sobre a importância da luta antirracista dentro dos muros das escolas — das salas de aula ao pátio, passando pelo corpo docente e pelo projeto pedagógico.
“Quando você entra na universidade, vê livros muito conhecidos que falam de uma arte que existe na Europa, e quase nada da Oceania, da Índia e muito menos do continente africano”, contou Simplício, que é doutor em artes pela Unesp. “Aí a pessoa fala de ‘arte na África’. Opa, corrigindo: artes, no plural, nos países do continente africano. Precisamos mudar o vocabulário, pensar os processos artísticos sem esse olhar eurocêntrico.”
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O antirracismo nas escolas demanda também atenção em outros espaços, principalmente dentro de casa, onde começa o letramento racial, segundo Raquel Santos. “Se eu não tenho vivência com pessoas pretas, na escola vai ser mero enriquecimento de currículo. Ser antirracista é um estilo de vida, não uma matéria da escola.”
Em outra mesa desta segunda, que também tratou de estereótipos nocivos, o editor da Quatro Cinco Um Amauri Arrais conversou com o pesquisador Octávio Santiago, autor do recém-lançado Só sei que foi assim (Autêntica). O jornalista chamou a atenção para o quanto o estereótipo do nordestino como indolente, feio e desqualificado, em vez de ser demolido, apenas ganhou mais camadas de preconceito com o passar das décadas.
O problema, assim, não é que esse estereótipo seja anacrônico, concordou Santiago. É que, nesse quesito, “o Brasil da época ainda é o Brasil de hoje”.
“A gente vê atualização em diversas pautas importantes”, disse ele, dando como exemplo o cuidado do audiovisual com representações de gênero, sexualidade e nacionalidade, entre outros. “Mas em relação à população nordestina, o olhar torto persiste, e ele não é por acaso. Nós, nordestinos, estamos presos a uma narrativa que foi construída há cem anos e que o país parece não estar disposto a superar.”
Programação paralela
Mesmo em uma segunda-feira às 13h, a mesa Religiões: cultura e sociedade, com os jornalistas Anna Virginia Balloussier e Marcelo Leite, encheu o Espaço Motiva Tablado Literário. Mediados pelo também jornalista Bruno Torturra, discutiram o papel da fé no Brasil de hoje, os preconceitos e os estereótipos em relação aos evangélicos e praticantes da crença jurema sagrada.
Balloussier acompanha e cobre a comunidade evangélica desde 2010, quando, segundo ela, “ainda era tudo mato”. Na época, colocavam aspas nos textos quando se falava de bispos, enquanto cultos evangélicos eram chamados de seitas. Em 2024, lançou O púlpito: fé, poder e o Brasil dos evangélicos (Todavia), uma investigação desse universo em que mergulhou. “Fui em cinquenta cultos em um mês e saí de lá com a impressão de que não conhecemos essa parte do Brasil.”
Foi também a cobertura jornalística que despertou o interesse de Marcelo Leite em pesquisar o tema religioso sob o ponto de vista da ciência. Há oito anos, começou a escrever sobre o renascimento psicodélico, quando descobriu que um dos compostos da ayahuasca vinha da árvore jurema-preta — elemento central da religião jurema sagrada, tema de seu recém-lançado A ciência encantada de Jurema (Fósforo).
Os convidados debateram como religião e psicodelia se unem por oferecerem a seus adeptos uma promessa de “renascimento”, de olhar para a vida por outra perspectiva, seja ela guiada pela fé ou pela alucinação.
No mesmo espaço, Guacyara Labonia Guerreiro e Ana Rosa Bordin Rabello, da organização Mais Diferenças — Educação e Cultura Inclusivas, falaram sobre mediação de acessibilidade na leitura e inclusão de pessoas com deficiência. “A gente acredita que todas as pessoas têm direito de ter acesso a tudo e a estar em todos os lugares, com ou sem deficiência. Existem várias formas de estar no mundo e, junto com as pessoas com deficiência, a gente vai inventando novas formas de fazer livros”, disse Guerreiro.
No Tablado Literário das Bancadas, os escritores Santiago Nazarian e Leonardo Garzaro buscaram responder à pergunta que dá título à mesa: O que choca uma sociedade em choque?. Na conversa, que teve mediação de Camilla Dias, os limites da criação literária foram objeto de debate em meio a episódios de censura de livros. Para Nazarian, as pautas identitárias na literatura já não chocam da maneira como no passado. “Hoje, pautas identitárias são o que levam autores a serem finalistas do Jabuti”, disse ele, que apontou o que chama de censura mercadológica como o principal malefício do cenário literário contemporâneo.
Mário Lúcio Sousa, mediado por Dolores Prades, lançou O livro que me escreveu, publicado pela Solisluna. O autor esteve em outras duas mesas n’A Feira: no sábado (14), ao lado de Lídia Jorge e Fernando Rosas, abrindo as conversas do evento literário no Auditório Armando Nogueira, e no domingo (15), com Cuti, no Palco Petrobrás.
O dia terminou com o Sarau Literário, promovido pela editora Patuá e pela Patuscada, no Tablado Literário Mário de Andrade, onde aconteceram leituras de contos, poemas e textos de autores publicados pela editora.
Bibliodiversidade na infância
Nos debates que aconteceram nesta segunda (16) no Espaço Rebentos, palco voltado ao universo literário infantojuvenil, os convidados ressaltaram o papel dos livros infantis na descoberta do novo, no resgate dos sonhos e na aceitação da diversidade. O psicólogo e escritor Alexandre Coimbra Amaral, que estreia no gênero com De onde nascem as perguntas? (Melhoramentos), participou da mesa A importância da bibliodiversidade na infância, mediada por Renata Nakano, e ressaltou o papel da literatura infantil na fuga da caretice e no resgate dos sonhos.
Bibliodiversidade também foi tema da conversa entre a escritora indígena Auritha Tabajara e a cineasta Rita Carelli. Primeira índigena a se tornar cordelista, Tabajara falou na mesa A poesia dos maracás sobre a importância social de acolher formas de literatura não tão convencionais, como a literatura de cordel, sua especialidade.
O escritor, editor e crítico literário Augusto Massi e o ilustrador Daniel Kondo, que juntos publicaram recentemente Eletricista pela Elo Editorial, também estiveram no Espaço Rebentos para falar sobre o processo de criação desse e de outros diferentes livros infantojuvenis que já fizeram ao longo da carreira. A conversa foi mediada por Rita da Costa Aguiar, designer gráfica e editora de arte de livros infantis e juvenis, que (quase) derramou lágrimas ao ler trechos do livro, que discute paternidade. “Se eu ler até o fim, eu choro”, brincou Aguiar.
A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.
A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.
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