
A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras
MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM


A FEIRA DO LIVRO 2025,
‘Brasil ainda vive sob ameaça autoritária’, dizem Carlos Fico e Eugênio Bucci
Historiador e jornalista alertam para o risco de novos golpes no Brasil, 40 anos após o fim da ditadura
14jun2025No ano em que se completam quarenta anos do fim da ditadura militar no Brasil — e no momento em que os acusados pela mais recente tentativa de golpe de Estado são confrontados em rede nacional —, o país não está livre da ameaça de novas rupturas da democracia.
Essa foi a mensagem do debate entre o historiador Carlos Fico e o jornalista Eugênio Bucci ocorrido neste sábado (14) n’A Feira do Livro na mesa 40 Anos de Democracia, mediada pela jornalista Flávia Marreiro, chefe do escritório da BBC Brasil em São Paulo.

Segundo Fico, autor de livros premiados como O grande irmão (Civilização Brasileira, 2008) e 130 anos (Intrínseca, 2019), o risco de novas rupturas tem origem no que ele chama de “utopia autoritária brasileira”, mesmo nome do livro que acaba de publicar pela editora Planeta.
Trata-se do entendimento por parte dos militares brasileiros de que eles têm, mais do que o direito, o dever de intervir na política e na sociedade do país. Esse dever seria resguardado pelo artigo 142 da Constituição, ao qual os militares com frequência recorrerem para justificar golpes e que determina que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Não à toa, um documento com um fluxograma representando um suposto golpe de Estado, encontrado entre os pertences de um assessor do ex-ministro Walter Braga Netto nas investigações sobre o 8 de Janeiro, trazia em seu cabeçalho “operação 142”.
Fico afirmou que o mero fato de os militares envolvidos no 8 de Janeiro estarem sendo levados à Justiça já é algo a ser comemorado. Ao mesmo tempo, ele ponderou, todas as tentativas de impedir que os militares recebessem anistia após coordenarem atos dessa natureza fracassaram na história do país. “Esse intervencionismo militar já aconteceu muitas vezes, mais de uma dezena de vezes. E sempre houve anistia, mesmo quando a sociedade era contra.”
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Já Bucci chamou a atenção para a necessidade de uma frente ativa de defesa do modelo democrático. Afinal, ele disse, foi graças ao trabalho corajoso de algumas pessoas que as instituições democráticas se mantiveram de pé durante o governo de Jair Bolsonaro — período que ele analisa em seu recém-lançado Que não se repita (Seja Breve).
“Por algum motivo, acabamos caindo num lugar que pensa a democracia como se ela tivesse caído do céu. Não, a democracia é um trabalho árduo. É difícil erguê-la e é difícil mantê-la. Ela precisa de dedicação e de muita gente na sua linha de frente.”
Razão desumana
Bucci ainda tratou da conexão entre o fortalecimento do autoritarismo e as redes sociais, tema de outro lançamento recente dele, A razão desumana, publicado pela Autêntica. No livro, ele parte de episódios como a pandemia e a violência policial contra negros nos Estados Unidos para argumentar que o discurso tecnológico é, em última instância, antidemocrático, estando intimamente ligado com os desejos do capital.
“Não é por acaso que existe uma espécie de simbiose entre as ações da extrema direita antidemocrática e o uso e o abuso das ferramentas da técnica e do capital. Aquele retrato da posse do Trump com os magnatas das big techs sorrindo é, mais do que uma fotografia, a síntese de um tempo”, afirmou.
Apesar do aparente pessimismo, ambos os pensadores indicaram maneiras de, se não impedir, ao menos prevenir novas ameaças à ordem democrática no país.
Para Fico, a chave estaria na consolidação do predomínio civil sobre a política e a sociedade, algo que poderia ser obtido por meio de uma mudança na redação do artigo 142, por exemplo.
Bucci, por sua vez, sugeriu acatar uma das 29 recomendações deixadas pela Comissão Nacional da Verdade: assegurar na formação dos militares que o golpe que inaugurou a ditadura militar brasileira (1964-85) não tenha conotação positiva.
“A formação dos militares não é assunto deles, é da sociedade. É ela que tem interesse nisso e o direito legítimo de esperar outro tipo de conduta, outro tipo de mentalidade”, disse.
A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.
A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.