Hámor

No Centro de Campo Grande, um pouquinho afastado da parte mais agitada da capital, um pequeno e aconchegante cômodo dentro de um espaço antigamente conhecido como Recanto das Ervas é ocupado desde 2022 pela livraria Hámor. Entrar ali é como chegar a uma pequena biblioteca ou numa sala cheia de livros por todos os lados. De cara, o visitante pode encontrar atendentes conversando com clientes, lendo ou organizando as prateleiras ou mesas do lugar. Entre cumprimentos e sorrisos, é como chegar a um ambiente familiar.  

Fundada pelo casal Bianca Resende e Felipe Mafra, a Hámor nasceu de um sonho dos dois impulsionado pela crise das livrarias físicas no Brasil, agravada pelos efeitos da pandemia. O nome veio da corruptela de “há amor”, referência tanto ao amor pelos livros quanto entre os criadores da loja. O conceito inicial foi a itinerância: os sócios circulavam com centenas de livros por feiras literárias e outros eventos, sem terem endereço fixo comercial. Só em setembro de 2024 eles decidiram por uma base. Encontraram o cômodo que terminou abrigando a livraria nos fundos de um café bastante convidativo, uniram-se a um parceiro, o poeta Febraro de Oliveira, e ali marcaram território na paisagem cultural da capital sul-mato-grossense. 

A criteriosa curadoria feita pelo trio privilegia editoras de viés autoral, com foco em obras recentes, de ficção ou não ficção, que tensionam debates políticos, culturais e literários. “A nossa pira é sempre conhecer todos os livros que temos aqui e estar preparados para falar sobre cada um deles aos clientes”, diz Resende, explicando o cuidado com a seleção. 

Em pouco tempo é possível circular pela livraria e se familiarizar com os títulos, que não são tantos, mas visitantes costumam gastar algumas boas horas pegando, folheando e lendo vários deles ao se acomodarem nos sofás do fundo da loja. A atmosfera agradável e a riqueza do acervo são convites à permanência, e a reflexão sobre qual livro adquirir pode ser feita no café ao lado.

A Hámor tem ainda uma programação cultural constante, em todos os meses do ano. Quintas, sextas e sábados são reservados para lançamentos, rodas de conversa, oficinas e shows musicais — a agenda é divulgada pelo Instagram e também fixada na parede da loja. São comuns atividades que mesclam literatura e outras artes, da leitura à musicalização, além de cursos, palestras e debates com pesquisadores, escritores e especialistas em variadas áreas e temas.

Em parceria com o Sesc de Campo Grande, a livraria realiza todo mês o projeto Miolo – Circuito de Leituras Integrais, definido como “uma travessia pela literatura para nos aproximar da inteireza dos textos e do que se revela nas pausas e entrelinhas”. A proposta é que, a cada edição do Miolo, um livro seja lido do começo ao fim, sem interrupções. Em novembro de 2024, a leitura foi Kramp, romance da chilena María José Ferrada, publicado pela editora Moinhos com tradução de Silvia Massimini Felix. As 88 páginas foram lidas em dois turnos pela mediadora literária e produtora cultural Marcelle Saboya e a psicanalista e escritora Lígia Burton. “Queremos que as pessoas passem tempo com a gente, encontrem um refúgio, um lugar para pensar e se conectar”, explica a livreira Bianca Resende. “Nosso objetivo é reimaginar o papel de uma livraria no mundo contemporâneo”.

A Hámor ainda promove clubes de leitura a partir de títulos escolhidos pelos próprios frequentadores, mais uma iniciativa que ajuda a movimentar o espaço. Tem para adultos e crianças. O clube Lombada, para os maiores, dá ênfase à literatura contemporânea. Entre as obras, os participantes leram Macabéa: flor de mulungu, releitura de Conceição Evaristo da personagem de A hora da estrela, de Clarice Lispector. Já o clube Amorzinho, para os menores, combina leituras e brincadeiras a partir de títulos como Chupim, de Itamar Vieira Junior, e O segredo da vovó, de Eliana Santana, editado pela própria Hámor, que também atua como editora independente. 

(Marcelo Miranda visitou a livraria em outubro de 2024)