Casa 11 Sebo e Livraria

Era uma casa muito engraçada. Não tinha um dono, mas quase cem. Um grupo formado majoritariamente por médicos, que resolveu criar um sebo e livraria com o slogan “mais livros, menos farmácias!”.

Mas não há espaço para livros técnicos na Casa 11, que funciona em uma pequena galeria de Laranjeiras, quase em frente ao Instituto Nacional de Cardiologia (onde, aliás, trabalham alguns dos médicos-fundadores). A maior parte do acervo vem de doações, com prioridade para a literatura, a poesia e as ciências humanas em geral. Não há funcionários, os livreiros são os próprios sócios. As 126 cotas pagas mensalmente pelos 94 participantes da empreitada são usadas para dar conta de aluguel, despesas de manutenção, produção de eventos e aquisição de livros novos, que compõem uma parte menor do catálogo.

“Não compramos livros usados, são só doações. E não trabalhamos com consignação”, explica Ana Mallet, cardiologista que há décadas divide a vida entre a área médica e a de comércio de livros: por vinte anos, ela foi uma das responsáveis pela Livraria Largo das Letras, em Santa Teresa. Lá também imperava a força da coletividade: eram dezesseis sócios. Mas as agruras do mercado acabaram fazendo o negócio ser encerrado em 2022.

Parecia que ela tinha fechado um ciclo ligado aos livros, só que não. Quando soube que havia uma loja vaga em uma galeria de Laranjeiras, acabou formando um grupo maior, e a história vem dando certo, a partir dos aprendizados da experiência anterior. A Casa 11 celebrou um ano em julho de 2024. Um mês antes, organizou a Flila, primeira feira literária do bairro, que lotou um casarão vizinho. Em agosto do mesmo ano, acabou alugando a loja ao lado na galeria e expandiu o espaço e o acervo disponível.

"A livraria está se pagando. Então usamos as cotas dos sócios para fazer a feira literária e a obra de expansão", celebra Ana. Sem hierarquia, as decisões são tomadas em dois grupos de WhatsApp. Há divergências, mas também muita diversão. Outro dia, rolou uma discussão acirrada por conta de um lote recém-chegado com livros em inglês e espanhol — o grupo a favor de aceitar o carregamento acabou vencendo a disputa. Noutra vez, uma remessa com quatro mil livros doados foi parar na casa da médica, já que não havia espaço na loja para recebê-los. A triagem foi uma desculpa para um animado encontro dos sócios.

No primeiro ano de atividade, foram muitos os eventos, debates e lançamentos — pelos quais é cobrada apenas uma taxa de limpeza. Uma pequena copa no meio da loja permite que haja sempre uma bebidinha disponível. Visitantes ilustres já passaram por lá, como o fotógrafo Evandro Teixeira, o poeta e tradutor Paulo Henriques Britto e o biógrafo Ruy Castro, que deixou um bilhetinho, devidamente emoldurado, com uma frase que costuma repetir: “Quando eu morrer, não quero ir para o céu. Quero ir para um sebo”.

E a turma da Casa 11 segue fazendo planos. Sabe-se privilegiada e quer fazer a diferença levando livros para áreas próximas com pouco acesso à leitura. Recentemente, passou a interagir mais com a comunidade dos Guararapes, no bairro vizinho do Cosme Velho, doando livros para a biblioteca local e recebendo grupos de crianças, que podem levar uma obra escolhida de presente. Doam também para Dona Alda, uma veterana livreira de rua que há décadas mantém um ponto no Flamengo.

Assim, estimulando a economia circular, a casa pretende seguir melhorando a vida de seus frequentadores, parceiros e amigos. Um deles, aliás, é o xodó da turma. Manuel de Oliveira Melo, o “nosso” Melo, como é chamado, é pai da psicanalista Fátima Geovanini, uma das sócias. Perto dos 90 anos, tornou-se o livreiro responsável pelo turno da manhã da Casa 11. Virou também personagem do infantil Meu vô valente, o livreiro de Laranjeiras, escrito pela filha.

O livro conta a história de um senhor que sempre foi bem disposto, mas viu a vida perder um pouco de sentido quando os netos passaram a não precisar mais dele. Sem sombra de exagero, a Casa 11 o salvou. Agora, ele dedica as primeiras horas do dia a prescrever a receita infalível dos livros a quem se aventura a entrar pela portinha amarela.

(Helena Aragão visitou a livraria em setembro de 2024)