Berinjela

Ao dar o nome do legume roxo a um sebo, Daniel Chomski tinha a ideia de afastar dos livros qualquer sinal de sisudez. Pode-se dizer que conseguiu. De 1994 para cá, a Berinjela já abrigou shows de rock e até animados torneios de futebol de botão. Mas nada que ofuscasse a grande estrela: graças ao acervo precioso, a casa faz parte da rotina e/ou da memória afetiva de muitos cariocas apaixonados pela leitura.

Tanto carinho é resultado do esmero de Chomski, que resolveu embarcar em voo solo na comercialização de livros usados em meados dos anos 90, depois de duas sociedades desfeitas. Desde então, ele pode ser encontrado na loja do fim do subsolo da galeria do edifício Marquês do Herval, no centro do Rio, onde também fica a Leonardo Da Vinci, a mais antiga e tradicional livraria da cidade. Uma dobradinha e tanto, mas que no começo apavorou o livreiro, então com 27 anos.

“Escolhi o livro mais caro que tinha na loja e fui entregar para a dona Vanna, afinal, a galeria era um pouco dela”, conta Chomski, referindo-se à antiga proprietária da Da Vinci — hoje, a livraria vizinha é tocada por outro Daniel, o Louzada, com ótima relação com a Berinjela. O criador do sebo logo imprimiu os diferenciais de seu negócio para além dos livros usados com foco em ciências humanas. Debates, além dos já citados shows e jogos de botão, foram ajudando a transformar o subsolo do Marquês do Herval num espaço de agitação cultural (há ainda uma terceira livraria no local, a Martins Fontes).

A lista de frequentadores ilustres foi puxando, aos poucos, novos visitantes. O poeta Armando Freitas Filho (1940-2024) um dia levou o também poeta e tradutor Carlito Azevedo, que virou habitué e, certa vez, levou Valter Hugo Mãe. Era 2001, a primeira vinda do escritor português ao Brasil, de modo que a Berinjela ganhou uma dimensão nostálgica para ele. Nas muitas visitas ao Rio que fez desde então, sempre que pode, Hugo Mãe dá uma fugidinha para garimpar tesouros no subsolo. 

Nas primeiras décadas do século 21, a Berinjela também teve experiência como editora, sendo responsável por quatro volumes da Modo de Usar & Co., revista de poesia editada por Angélica Freitas, Marília Garcia, Ricardo Domeneck e Fabiano Calixto entre 2007 e 2013. Com o tempo, Chomski foi preferindo se dedicar mais à missão de compra e venda de livros — encontrar obras raras em bibliotecas pessoais segue sendo seu maior estímulo. “Antes era meio que um parque de diversões. Mas foi ganhando ares de livraria mesmo, e ela já dá bastante trabalho”, diz.

Algumas tradições seguem firmes, como a Feira do Subsolo, que ocupa o espaço da galeria uma vez por mês com livros com desconto. Outras coisas mudaram: antigamente, Chomski anunciava o interesse em comprar livros nos jornais; agora, usa as ferramentas de divulgação disponíveis na internet.

Ah, a internet. Motivo de preocupação, com plataformas oferecendo livros a preços que complicam a vida das lojas físicas. Mas também ajuda a garantir a sobrevivência da Berinjela. Em seus 30 anos de existência, muita coisa mudou no centro do Rio. Há menos gente trabalhando presencialmente e, com isso, menos “flâneurs de sebo”. Mesmo antes da pandemia, as vendas já tinham começado a serem também on-line, usando marketplaces como a Estante Virtual. Na fase de confinamento, Chomski consolidou o site da livraria, para não depender de intermediários.

Naquela época, teve que intensificar o uso das redes sociais. "Um cliente foi me vendendo cinco mil obras aos poucos. Aí comecei a fazer fotos de pilhas de livros e divulgar no Instagram", conta. A estratégia, repetida todas as manhãs com ajuda de sua irmã e sócia Silvia, deu certo. Os possíveis compradores fazem a reserva nos comentários da postagem, e têm 24 horas para concluir o negócio. 

"A foto da pilha me instiga a buscar livros novos todos os dias. É trabalhoso também porque demanda pesquisa para oferecer mais barato do que em qualquer site", explica o livreiro, que agora diz ver vários sebos copiando o modelo.

(Helena Aragão visitou a livraria em setembro de 2024)

Endereço Avenida Rio Branco, 185, loja 10, Centro, Rio de Janeiro (RJ)