Rebentos,

Pedacinhos e remendos

Livro da alemã vencedora do Hans Christian Andersen narra o ‘outro lado’ da maternidade

01mar2025 • Atualizado em: 27fev2025 | Edição #91

O grito de uma mãe zangada lança um filho pelos ares. Literalmente. Despedaçado, o rebento precisa juntar seus pedacinhos que se perderam no mar, na floresta e em terras distantes. O bumbum vai parar em uma cidade fervilhante, a cabeça é lançada ao espaço e as asas pousam em uma onça. Mas sem titubear, o coração do pinguim protagonista de Mamãe zangada, infantojuvenil de Jutta Bauer lançado em fevereiro pela Companhia das Letrinhas, perdoa a explosão da mãe que sabe bem remendar a relação dos dois.

Vencedora do Prêmio Hans Christian Andersen em 2010 pelo conjunto de sua obra, a escritora e ilustradora alemã é uma grande observadora dos relacionamentos humanos e do cotidiano. Em O anjo da guarda do vovô, lançado no ano passado pela mesma editora, Bauer traz graça justamente às situações corriqueiras da vida de uma criança bagunceira que, sem saber, é sempre salva por um par de asas divino. Mas é também nos detalhes do dia a dia que a autora mostra a complexidade dos sentimentos e as dores de pessoas em meio à guerra, que precisam da proteção real de outros seres humanos, de carne e osso.

Os dois títulos, que ganharam tradução da poeta e editora Sofia Mariutti, são ainda melhores pela conversa entre texto e imagem. Em entrevista para a Quatro Cinco Um, Jutta Bauer fala sobre as inspirações de suas histórias, o lado “não tão belo” da maternidade e as subjetividades das infâncias contemporâneas.

Qual foi a inspiração para Mamãe zangada e O anjo da guarda do vovô?
Mamãe zangada era apenas uma história de ninar para o meu filho. Um dia eu tinha gritado, e queria pedir perdão. Contei com serendipidade — e com serendipidade, quero dizer contar histórias apenas começando e sem saber como vão acabar. 

O anjo da guarda do vovô começou bem diferente da versão final. Eu tinha um estúdio com uma grande janela voltada para a rua, por onde olhava as crianças passando. Sempre imaginei um tipo de anjo acima delas, porque elas nunca olhavam para as ruas. Seus anjos se feriam muito salvando-as, e o livro seria sobre essas palhaçadas. Mas o tempo passou, minha mãe desenvolveu demência, meu pai tinha morrido e, por isso, não fui capaz de escrever apenas uma história engraçada. Até porque a narrativa não fluía com um anjo só se machucando. Ficava chata depois de cinco páginas.

Em ambos os livros, texto e imagem se complementam. Como é para você o processo de conectá-los?
Não sei, acho que não há um conceito definido. Faço isso como se estivesse tirando de dentro de mim, da minha barriga. Mas sempre penso isto: o que digo através das imagens não deve ser dito pelas palavras, e vice–versa. Também gosto que as ilustrações contem um pouco mais — e além — do que a história principal.

Quando começou a, além de ilustrar, escrever suas próprias histórias?
Minhas próprias histórias nasceram depois dos livros da série Juli, com Kirsten Boie [não publicados no Brasil]. Fiz cinco, então me fartei e soube: posso fazer os meus próprios livros e isso seria muito mais divertido.

Como foi pensar outra faceta da maternidade, não só a afetuosa?
Cada mãe — e pai — sabe que há momentos de raiva e reações não tão justas, como a minha com meu filho. E fiz disso uma história de ninar.

Em O anjo da guarda do vovô, você narra situações dolorosas e traumáticas da Segunda Guerra Mundial. Como foi escrever sobre isso?
Acho que podemos falar com as crianças sobre tudo, se o fizermos de uma maneira empática e honesta. Precisamos fazer isso, porque as crianças de hoje em dia veem muitas coisas.

Sempre penso isto: o que digo através das imagens não deve ser dito pelas palavras, e vice-versa

Não podemos protegê-las como se estivessem sob um vidro, especialmente agora, com as mídias sociais em todos os lugares.

Seus personagens são sujeitos comuns vivendo experiências comuns. Por que escrever sobre isso?
Não é esse o dever da literatura, pensar e falar sobre as coisas da vida real?

O que e quem te inspiram?
Há tantas inspirações diferentes. Sempre observo outras ilustrações, em todos os lugares. Como grandes influências posso mencionar Tove Jansson e [Jean-Jacques] Sempé. Também a infância, a situação social, os filmes que vi, as músicas que ouvi, os animais que amei, a luz ao redor… tudo isso vira influência.

Quais livros você gostaria de ter lido na infância e na juventude?
As histórias de Tove Jansson ou O ursinho Pooh, que só conheci quando era adulta, mas tenho certeza que as teria amado quando criança.

Como podemos incentivar o hábito de leitura nas crianças e jovens?
Com histórias boas e honestas, e governos aplicando dinheiro em educação e cultura… dinheiro tirado de ricos como Elon Musk — ricos que destroem a mente das pessoas.

Quem escreveu esse texto

Jaqueline Silva

É estudante de Jornalismo na ECA-USP e assistente editorial na Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #91 em março de 2025. Com o título “Pedacinhos e remendos”

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