Rebentos,
Crespa, sim!
Vencedora do prêmio Eisner, graphic novel infantojuvenil celebra a libertação dos cabelos crespos e as identidades afrodescendente e hispânica
23ago2024Uma menina se olha no espelho, reconhece os cabelos crespos, gosta do que vê: se acha mais bonita quando não precisa passar horas em um salão de beleza esticando os fios, e sabe que a brincadeira é muito mais divertida quando não é obrigada a se preocupar com o suor e um penteado desfeito. Ela se aceita. Mas e quando a autoaceitação precisa vir do outro, para que cada um possa ser quem se é e quem quer ser? Essa é uma das buscas da protagonista de Frizzy (Galera Junior), graphic novel da escritora Claribel A. Ortega e du quadriniste e ilustradore Rose Bousamra. Vencedor dos prêmios Pura Belpré e Eisner na categoria Melhor Publicação para Crianças, o livro discute com delicadeza e profundidade o que há por trás da autoimagem ferida de pessoas que procuram incessantemente por padrões de beleza que excluem as próprias características.
Com a ajuda de familiares e amigos nas comunidades afrodescendentes e hispânicas, Marlene consegue ver reflexos do que a trouxe até o problema principal: séculos de colonialismo, racismo e projetos de embranquecimento da população, que fizeram com que milhares de famílias — incluindo a família dominicana da garota — rejeitassem as próprias características físicas para tentar se adequar a um contexto que define o sujeito universal como o homem branco. Segundo a tia da protagonista, seguir essa lógica faz com que os indivíduos acreditem que ser negro é estar na contramão do restante do mundo — assim, ela apresenta à menina o conceito de antinegritude, a incapacidade de reconhecer a humanidade e existência negras.
Nesta entrevista para a Quatro Cinco Um, a escritora dominicano-americana Claribel Ortega fala de suas próprias experiências crescendo em uma comunidade dominicana nos Estados Unidos e elenca o papel das amizades e da família como essenciais na promoção de uma autoestima saudável das crianças.
De onde surgiu a ideia da graphic novel Frizzy?
Frizzy foi inspirada principalmente nas minhas próprias experiências, enquanto crescia com cabelos cacheados em uma comunidade dominicano-americana.
Como foi entrelaçar a República Dominicana e os Estados Unidos no livro? Você também passou por algumas das experiências e assimilações que a personagem vivencia?
Quando escrevo sobre a infância, acredito que minha escrita se torna mais comovente se parto da minha formação, e a que conheço é a formação de uma criança dominicana-americana. Foi natural incluir coisas como os crucifixos em nosso apartamento e coisas que faziam parte da minha vida quando eu era mais jovem. Mas isso também trouxe um conjunto único de desafios.
Escrever Frizzy foi a experiência de escrita mais vulnerável que já vivi. Fui muito honesta e aberta sobre minha própria vida, o que às vezes se provou desafiador, mas também acho que é por isso que as pessoas se identificaram tanto com a história. Não é um livro de memórias, mas muitas das cenas deforam tiradas da minha experiência. Assim como Marlene, também fui informada de que precisava mudar meu cabelo e minha aparência para ficar apresentável.
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Marlene passa por um tratamento agressivo para “domar” o cabelo crespo. Como foi contar sobre uma situação que ainda é muito recorrente?
Queria tratar a situação com o máximo de cuidado e consideração, porque é algo com que as pessoas ainda lidam todos os dias. Senti a responsabilidade de tratar bem o assunto, mas também fiquei muito entusiasmada por poder abordá-lo através das lentes da comunidade latina. É um assunto delicado e desafiador, porque tem peso em muitas gerações, mas acredito que, como o cabelo é algo com que muitos de nós temos de lidar, foi um bom ponto de partida para explorar algumas das situações e problemas mais pesados discutidos no livro.
Em um momento em que sente o peso do preconceito e da solidão, a protagonista conta com a ajuda da tia e de uma amiga. Como você enxerga a rede familiar na construção da autoestima das crianças?
Acho que família e comunidade são tudo na promoção de uma autoestima saudável. É muito importante que uma criança sinta que tem recursos e apoio, porque quando somos mais novos nem sempre nos sentimos confortáveis em compartilhar todas as inseguranças e problemas com os nossos pais. Ter outros adultos e amigos confiáveis e responsáveis em quem se apoiar pode fazer toda a diferença.
Qual foi a sensação de Frizzy ter ganhado o Eisner Awards, considerado o Oscar dos quadrinhos?
Foi uma grande surpresa e honra para mim e para Rose! Nunca imaginamos ganhar algo tão prestigiado pela nossa primeira história em quadrinhos, mas acho que continuamos muito grates!
Como foi pensar e trabalhar nas ilustrações com Rose Bousamra?
Rose é ume ilustradore muito talentose, tive muita sorte de poder trabalhar com elu. Sem a arte, uma história em quadrinhos não pode existir, e embora eu tenha levado alguns meses para escrever Frizzy, Rose levou mais de dois anos para ilustrá-la. Serei eternamente grata pelo trabalho e cuidado incríveis que trouxe para este projeto. E posso dizer que estou animada porque trabalharemos juntes novamente no futuro!
Que livro você gostaria de ter lido na infância e/ou juventude?
Hoje existem tantos livros que eu gostaria de ter lido quando era criança, e Frizzy é um deles! Se eu tivesse lido um livro que me dissesse que meu cabelo cacheado era lindo, teria me poupado muitos anos da jornada que foi descobrir isso sozinha. Além disso, acho que os livros de Zoraida Cordova, Daniel Jose Older, Angie Thomas, Dhonielle Clayton, bem como os livros para jovens do ensino médio de Kalynn Bayron e Karen Strong definitivamente estariam entre os meus favoritos quando criança.
Como podemos incentivar o hábito de leitura nas crianças e jovens leitores?
Acho que é muito importante conhecer as crianças pelos lugares onde elas estão. Não entendo por que mais editores não estão trabalhando com streamers da Twitch e do Youtube, por exemplo. Os jogos podem ser uma ótima porta de entrada para a leitura infantil, e já existem livros de seus jogos favoritos para ajudá-las a começar.
Além disso, acho que é extremamente necessário incentivar os pais e educadores a dar histórias em quadrinhos às crianças! HQs são uma ótima maneira de incentivar a leitura e, em vez de sermos exigentes com o que lêem e depois desencorajá-los a se tornarem leitores para o resto da vida, deveríamos encontrá-los onde seus interesses os levam, e tentar atraí-los dessa forma. A criança adora videogame? Compre para ela um livro sobre um jogo ou um jogador. Acho que encontrar livros que incluam seus interesses fora do universo da leitura é uma boa maneira de fisgá-los.