Fichamento,

Wagner G. Barreira

O jornalista paulistano estreia na ficção em livro sobre a imigração de seu avô no navio que trouxe a gripe espanhola para a América do Sul

01jan2021 | Edição #41 jan.2021

Primeiro romance de Wagner G. Barreira, Demerara (Instante) narra a disseminação da gripe espanhola, a imigração, a industrialização e a urbanização no Brasil a partir da história ficcionalizada do avô paterno do autor.

Por que escolheu a narrativa de ficção? 
Porque a história que conto em Demerara não poderia ser narrada de outra forma. O livro nasceu em 2016, na pós-graduação em formação de escritores da escola Vera Cruz, e foi interrompido por dois anos, tempo que levei para pesquisar e escrever Lampião & Maria Bonita: uma história de amor e balas (Planeta, 2018). Ainda que se apoie em fatos históricos, o livro é uma história possível do protagonista Bernardo Gutierrez Barreira.   

O que veio antes, a vontade de contar sua história familiar ou narrar um momento histórico decisivo? 
Demerara nasceu de uma pesquisa sobre meu avô paterno. Dele, sei que era espanhol, chegou ao Brasil no vapor Demerara e teve um filho com minha avó. Quando descobri que o mesmo navio trouxe a gripe espanhola para a América do Sul, eu me dei conta de que tinha o plot para um romance. A História, com agá maiúsculo, está presente na travessia do Atlântico, na pandemia, nas descrições de cenários em Vigo e São Paulo, no movimento sindical. Mas o livro também foi construído com memórias familiares: o jeito de montar uma cama, a reza da benzedeira, o gosto pelo futebol. Bernardo foi envolvido no turbilhão do período, a História acontece diante de seus olhos, mas ele está preocupado em sobreviver, em chegar ao dia seguinte. 
     
O livro começou a ser escrito só depois de o trabalho de campo e apuração estarem adiantados?
Comecei a escrever sobre Vigo antes de conhecer a cidade. Passei vinte dias lá em 2017 e mexi muito na estrutura, agreguei personagens e situações novos depois de pesquisar. No processo de escrita e reescrita, informações e lembranças foram sendo agregadas ao texto e joguei fora alguns trechos.   

Houve momentos em que o jornalista falou mais alto ou em que a ficção pareceu ser mais real que os fatos? 
A evolução da narrativa se baseia no que chamo de pilares históricos, o tempo de viagem do navio, de contágio em Santos e São Paulo, do final da primeira onda de gripe espanhola, do Natal e do Carnaval do ano seguinte. O espaço também foi escorado em evidências, como a inauguração da estação ferroviária no bairro onde vive o protagonista. Mas, ao escrever o livro em primeira pessoa, busquei um tratamento pessoal do período. O Demerara não parou em Vigo em 1918, o porto onde o protagonista embarca, por exemplo. Mas o local onde Bernardo vira coveiro em Santos atende pelo nome de Cemitério da Filosofia — um caso em que o real parece mais estranho que a ficção.

Sua história transcorre durante a febre espanhola. O que significa lançar o livro em meio à nova pandemia de Covid-19?  
Em 2018, reuni uma centena de amigos na Livraria da Vila e fechamos a noite no bar da esquina para celebrar o lançamento de Lampião & Maria Bonita. Demerara foi lançado numa live, eu estava isolado na minha casa de praia. Estar em isolamento, acompanhando o crescimento do número de infectados e mortos me tocou, como a todos, e creio que sim, se refletiu na forma de contar a história. A primeira e mais mortífera onda da gripe espanhola durou dois meses em São Paulo. No ano seguinte se celebrou o Carnaval. A Covid-19, muito por causa do negacionismo do governo Bolsonaro e de parte da população, parece não ter fim. Há uma certa angústia que se reflete no livro, mas nada é mais diferente da situação do autor em isolamento que as aventuras do personagem que mergulha na pandemia, recolhendo e enterrando corpos em Santos.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, , editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34)

Matéria publicada na edição impressa #41 jan.2021 em dezembro de 2020.