Fichamento,
Silvana Tavano
Autora de infantojuvenis premiados faz planos para o passado e cria memórias para o futuro em seu segundo romance
01jun2024 • Atualizado em: 29maio2024 | Edição #82Em Ressuscitar mamutes (Autêntica), híbrido de ficção, ensaio e memórias, uma narradora viaja no tempo para encontrar a mãe que sempre a acompanhou.
No romance você fala de experiências científicas com animais extintos e, também, recria um passado e cria um futuro para sua mãe. Ressuscitar é reviver?
O tempo sempre foi um tema para mim: o começo e o fim das coisas, os ciclos. Isso está nos meus infantojuvenis, em meu primeiro romance [O último sábado de julho amanhece quieto, Autêntica, 2022]. Eu queria falar do tempo e assisti a um documentário sobre mamutes, uma história muito louca, cientistas querendo fazer reexistir (eles falam assim) aqueles bichos imensos.
Fui pesquisar mais, ver como eles buscam soluções para o futuro no presente. Comecei a escrever sobre esse documentário e alguns fragmentos sobre o tempo, e aí se insinuou a figura da mãe, que acompanha a gente a vida inteira, viva ou morta. Surgiu essa narradora falando da mãe, mas só consegui fazer isso depois de vinte anos [que ela morreu]. A cada dia 6 de agosto ela ressuscita. Volta a sensação de algum acontecimento, seja lá há quanto tempo foi, mas é também algo novo, porque você mudou. Não é o tempo que passa, somos nós.
A questão da maternidade, da memória de filhas sobre a mãe tem aparecido mais na literatura?
Especialmente se pensarmos em escritoras, a maternidade é um tema que aparece muito, e o que acho mais lindo e saboroso é que são leituras completamente diferentes. Ao escrever, é meio natural a gente voltar a essa mãe-arquétipo, não tem muito como se desfazer disso. E vêm junto todas as mães, a que volta romantizada, a mãe que não quero ser, a que quero repetir. Nem sei dizer quantos livros li nos últimos anos que falam da relação mãe e filha. Talvez isso tenha me influenciado, não sei. Meu livro é uma tentativa de mergulhar e flutuar nesse mar dos tempos.
O que foi mais difícil para a filha e narradora escrever?
Tentei capturar todos os tempos num só tempo. Isso significa sentir tudo de uma vez, o que não é fácil. Tem uma memória teoricamente verdadeira (mas nunca é) e tem a lembrança do que não aconteceu, do que poderia ter acontecido. E mesmo a suposta memória “verdadeira” volta híbrida, como os mamutes que, se um dia voltarem, serão “mamofontes”, mistura de mamute com elefante. O livro acabou ficando tão híbrido quanto esses mamutes-elefantes: pode ser chamado de romance, mas também é ensaio, memória, ficção e mais todas as coisas que comecei a ler e coloquei na narrativa.
Você trabalhou com jornalismo por muito tempo. A jornalista entrou no livro?
Pois é. Assistir ao documentário [dos mamutes] pôs em ação a jornalista. Fui atrás, pesquisei, conversei com pessoas. Tem quase uma reportagem entremeada com as reflexões da narradora. Mas o olhar da narradora é subjetivo, coisa que eu não poderia fazer no jornalismo.
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Você é autora de vários infantojuvenis premiados. Como tem sido escrever para adultos?
Também é uma volta ao passado, ressuscitei mais um mamute. Lá atrás, fui para o jornalismo porque precisava pagar os boletos, mas o que eu queria mesmo era escrever romances. Aos dezoito anos até escrevi um, que é uma bomba. Trabalhei em jornal e revista por quase trinta anos, mas não esqueci desse sonho. Comecei a escrever infantojuvenis por acaso, surgiu uma oportunidade de fazer uma oficina de literatura para crianças perto de onde eu morava. Saiu meu primeiro livro, o segundo, o terceiro, e me vi nesse universo maravilhoso. Não quero parar de escrever para crianças. O engraçado é que, quando um autor já publicou muita ficção para adultos e escreve um infantil, acham natural, mas quando alguém tem vários infantis publicados e resolve escrever um romance, causa estranhamento.
Matéria publicada na edição impressa #82 em junho de 2024.
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