Fichamento,

Rafa Campos Rocha

As aventuras de um herói indígena vingativo com idade, sexo e etnia indefinidos são reunidas em novo gibi do cartunista e artista visual paulistano

01jun2021 | Edição #46

Em Kriança Índia (Guará), Rafa Campos Rocha lança tiro, bomba e tacape para expor e atacar os invasores da floresta amazônica. 

Como nasceu essa Kriança Índia?

Nasceu em 2018. Eu publicava no Facebook, enviava por e-mail para os amigos. Daí resolvi imprimir, mas foi proibido. Alegaram uma questão de direitos autorais: sou roteirista da série de animação Tainá e os guardiões da floresta, disseram que era uma paródia dos personagens. Quando terminou o contrato com a Nickelodeon [coprodutora da série], publiquei três números. Fiz uma editora, a Borduna, imprimi em uma gráfica ao lado da minha casa e lancei em feiras de quadrinhos. Esgotou. Em 2020, o editor da Guará me perguntou se eu queria lançar o livro com eles e topei. Saiu o gibi virtual, um e-book. Vendeu bem, mas a Amazon fica com quase todo o dinheiro, não gostei. Se sucesso é isso, melhor ser um fracassado no papel, pelo menos dá para pagar uma pizza. 

Como foi a parceria com o ilustrador Álvaro Maia nesse novo livro?

Quase tudo o que publico passa por mídia social, mesmo os trabalhos que fiz com grandes editoras. O Álvaro é um cara do Tocantins que me procurou nas redes, disse que gostava do meu trabalho e perguntou se eu topava dar um roteiro para ele ilustrar. Gostei do desenho dele. No livro, fiz os roteiros e desenhei algumas partes, o Álvaro outras. Estão assinadas, mas dá para perceber: os desenhos mais sujões são os meus.

Como ficou essa questão dos direitos autorais?

Meu público não tem nada a ver com o dos desenhos animados infantis. Na série, só tem sentimentos bons envolvidos, a personagem é fofa. Fiz Kriança Índia um pouco para descarregar, dar vazão ao material que não usava — estudei muito para o roteiro da série e havia muita coisa que não tinha como entrar. O gibi tem referências mais místicas, como xamanismo animal; pesquisei o tema. Tem também referências minhas: por exemplo, é criança com k por causa do personagem Krazy Kat, do [cartunista norte-americano] George Herriman. E tem esse papo comunista de anti-imperialismo e mais violência 
— do qual eu gosto.

A violência de Kriança Índia não é excessiva?

É justamente sobre isso. Quis pegar a parte mais devastada da sociedade, que geralmente aparece com aquele olhar simpático de vítima, mas colocar ali como vingança. A revolução não é pacífica e não temos medo. Quis fazer uma inversão do filme americano, pensar pelo lado do “monstro” que assombra o mocinho que vem para a selva tropical. Sou muito criticado, mas as crianças indígenas adoram, acham graça. E líderes de comunidades indígenas também, compram a camiseta com o desenho da Kriança ostentando o Bolsonaro decapitado. Não acho excessivo: estou no campo do abstrato, pacificado. A arte é a arma que tenho, sei desenhar bem, uso isso. E é revanche mesmo; a arte também é para se vingar magnificamente.

Você não tem medo de ser chamado de politicamente incorreto?

Eu sou politicamente correto! Estou interessado no que considero correto como política: defender o povo contra a exploração dos mais ricos, lutar por direitos iguais para todos. Volta e meia sou suspenso das redes sociais, a perseguição virtual começa no campo progressista, mas não vou ficar pagando pedágio para a chamada “cultura”. Sou fã de filmes de ação, dos Vingadores e de livros como Ilíada — quer povo mais bélico do que os gregos? Além disso, o Brasil foi ficando cada vez mais violento e uso a arte como sublimação, para descarregar essa pulsão. Não quero ficar doente.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, , editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34)

Matéria publicada na edição impressa #46 em abril de 2021.