Fichamento,

Leonardo Padura

Autor cubano fala do prazer que sente em ser reconhecido quando viaja ao Brasil

01out2020 | Edição #38 out.2020

Autor do best-seller O homem que amava os cachorros, o cubano Leonardo Padura lança Água por todos os lados (Boitempo), uma declaração de amor a Cuba, que reúne textos curtos sobre sua relação com o país. 

Cuba é a sua musa inspiradora?
Minha musa é Lucía, minha mulher. E é minha leitora mais implacável. Cuba é a terra, onde está o nutriente em que planto a semente e de onde cresce a árvore da qual vou colhendo frutos. Sem terra não há nada.

Água para todos os lados traz textos escritos em vários momentos diferentes. O que une todos eles? 
São minhas obsessões e são unidas pela persistência. O ofício de escrever romances, a circunstância de viver em uma ilha chamada Cuba, a necessidade de escrever, entender a escritura como um desafio, o drama do exílio, as inseguranças da criação… Tudo isso está dentro de mim, como está no livro.

A obra fala muito de pertencimento. Se Tzvetan Todorov é o “homem desenraizado”, você é o “homem enraizado”. Como isso influencia sua literatura?
Eu preciso pertencer para ser. Eu pertenço a um país maravilhoso, complexo, às vezes terrível, que se chama Cuba, e nessas forças contraditórias vivo e escrevo. A distância me impediria de ver o mundo pelo ponto de vista de um cubano e admiro aqueles que, estando distantes, conseguem escrever e estar próximos. Não sei se eu poderia fazer isso. Nunca tentei. 

O poeta inglês John Donne escreveu a famosa frase: “Nenhum homem é uma ilha”. Na sua relação com Cuba, o homem pode ser uma ilha?
Não, claro que não. Geograficamente existem as ilhas. Culturalmente é impossível. Sou um homem que, a partir da minha pertença, trato de viver no mundo. Minhas leituras são mais deste mundo que da ilha, e meus aprendizados, eu os devo em grande parte a autores que estão para além dela. Quero ser cubano, mas pretendo ser universal. Como disse Unamuno: “Temos de falar do universal nas entranhas do local, e do circunscrito e do limitado, falar do eterno”.

O que é mais surpreendente em Havana?
Sua capacidade de resistência. Uma cidade que sofreu décadas de abandono, maus-tratos, falta de atenção… e que ainda consegue ser bela. E Havana tem uma linguagem viva e afiada, que é a minha, além de ter personagens tremendos, como o ex-policial Mario Conde [protagonista de vários livros do autor].

Ficou surpreso com o sucesso que faz no Brasil?
Sim, porque por vários anos nunca aconteceu nada com meus livros. Mudou tudo com O homem que amava os cachorros! No Brasil, as pessoas me reconhecem na rua mais que em Cuba, porque saio bastante nos jornais e na televisão, o que não acontece no meu país, pois, me disseram, existe um decreto que afirma que estou “limitado”, que é uma categoria anterior a “censurado”. É maravilhoso caminhar pelo Rio, por um teatro em São Paulo ou uma praça na Bahia e ouvir a pergunta: “Você é o Padura, autor de O homem que amava  oscachorros?”.

Você diz no livro que um de seus passeios preferidos é andar pelo Malecón [calçadão que beira o mar em Havana]. Como está sua rotina com a pandemia de Covid-19? Pretende escrever sobre este período?
A pandemia mudou muitas coisas. Está proibido passear por Havana, inclusive no Malecón. Isso é uma loucura. Uma loucura sobre a qual com certeza vou escrever, mas não sobre o que é mais evidente e visível, mas sim sobre os efeitos mais submersos e não menos terríveis, como o medo da morte. O medo social e político é um tema da minha literatura, mas esse é um medo mais visceral e terrível, pois, se ele nos alcança, pode ser irremediável.

Quem escreveu esse texto

Paula Carvalho

Jornalista e historiadora, é autora e organizadora de ireito à vagabundagem: as viagens de Isabelle Eberhardt (Fósforo).

Matéria publicada na edição impressa #38 out.2020 em setembro de 2020.