O crítico, roteirista e pesquisador de cinema Inácio Araujo (Divulgação)

Fichamento,

Inácio Araujo

Ficção futurista do crítico, roteirista e pesquisador de cinema traz replicante trotkista e paraíso indígena para um mundo agonizante

01jan2025 • Atualizado em: 08jan2025 | Edição #89 jan

Utopia 3: últimas notícias do século 25 (Iluminuras) trata do fim da escrita em uma sociedade conformista na qual sobram poucas memórias da rebelião possível.

Utopia 3 é sua primeira ficção científica?
É. Prefiro chamar de ficção futurista, não é científica propriamente. De certa maneira, você não especula sobre o futuro, e sim sobre o seu presente. Quis fazer algo um pouco como o [filme] Alphaville do Godard, que é a Paris dos anos sessenta com uma luz especial e o “Grande Cérebro” que domina tudo é um ventilador.

Quais são outras inspirações cinematográficas?
Tem os replicantes, do filme do Ridley Scott [Blade Runner, 1982], isso é muito claro. Talvez também alguma inspiração naquele filme que o Truffaut fez, Fahrenheit 451. Ah, é daí o nome da revista?

Sim, vem do livro do Bradbury…
Isso. Não leio muita ficção científica, mas uma aluna me presenteou com um outro livro do Bradbury, As crônicas marcianas, e eu gostei. De certo modo, a introdução do meu romance é uma homenagem ao Bradbury. As referências do cinema e da literatura são dois lados que se encontram, mas tenho até medo de dizer. Quando escrevi meu livro de contos [Urgentes preparativos para o fim do mundo, Iluminuras, 2017] eu falava que não tinha nada a ver com cinema, mas depois, ao reler, percebi que tinha tudo a ver. Há um momento de virgindade do autor com a escrita, estão todas as referências lá, mas não exatamente de forma consciente. O Fahrenheit 451 fala da morte do livro, o Utopia 3, da morte da escrita, tem até uma discussão se vale a pena escrever ou não.

Valeu a pena?
Foi um trabalhão. Quando comecei a imaginar a narrativa, entre 2018 e 2019, tinha aquelas reformas horrorosas, a campanha do Bolsonaro falando em acabar com os indígenas, com a Amazônia, meu Deus, acabando com o país. Achei que resolveria com um conto, mas era muita coisa. Também me incomodava perceber que a ficção estava muito em baixa e o cinema, mais ainda: tudo tinha que ser baseado em “fatos reais”, ou não valia nada. Resolvi jogar a trama para daqui a quatro séculos, daí não tem “fato real”.

Mas seu romance usa muitas referências concretas do passado recente. A viagem para o futuro poderia ser um passeio pelas questões do século 20?
Pensei em sair um pouco dessa coisa de distopia, porque distopia somos nós, e eu tinha outras questões para levantar: a ideia de um mundo muito conformista e de quem pode ou não ter alguma memória da rebelião, da revolta. No livro, além de um astronauta meio perdido, são dois replicantes que têm essa memória.

Incluindo um replicante trotskista.
[risos] É também uma memória minha, dos idos de 1968, meu tempo de faculdade. Uma figura que dizia: “se existirem extraterrestres, eles serão comunistas, porque são mais avançados que nós”. E escrevia sobre Beethoven, Van Gogh, os Beatles. Já o outro replicante é um anarquista mais genérico, juntei vários militantes para compor o personagem.

Eu tinha um planejamento muito claro do livro: a introdução dos personagens, os acontecimentos em uma espécie de mundo agonizante e a saída pelo deserto. Gostaria que as primeiras partes tivessem o ritmo dos romances de Céline, e o deserto, queria que evocasse Os sertões, do Euclides da Cunha, não sei se consegui. 

Para o epílogo, pensei em algo baseado em Esperando Godot, do Beckett, mas me caiu nas mãos uma biografia do Lévi-Strauss e quando li sobre os encontros dele com os indígenas me veio toda a parte final do livro, uma alucinação sobre um paraíso indígena. Se há uma esperança na Terra, ela vem dos indígenas.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34).

Matéria publicada na edição impressa #89 jan em janeiro de 2025. Com o título “Inácio Araujo”

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