Fichamento,

Flávia Santos

A poeta, artista visual e livreira resgata as coisas frágeis, dolorosas e belas das ruas e becos da cidade em nova coletânea de poemas

01jul2024 | Edição #83
(Rafael Trindade/Divulgação)

Com Corpo lúcido (Diadorim), a poeta paulistana reúne seus trajetos poéticos desde 2010 com um olhar atento tanto para as coisas frágeis quanto para o chumbo no peito causado pela vida na metrópole.

O que dói e o que vibra em um corpo lúcido?
A relação com São Paulo. É uma dor vibrante, vejo os problemas, mas sinto seus gritos de vibração: uma feira, um grafite, alguém que você vê na rua e pensa “mudou meu dia” — essas pequenas epifanias do cotidiano.

Algumas perguntas usando versos de seu livro: o que salva as tardes na cidade fria?
A cidade derruba a gente e também resgata. Você chega em casa, vê seu bicho ou o pôr do sol, mesmo que poluído. São Paulo te joga num buraco e te dá uma mãozinha para te tirar de lá. Uma porrada, um afago. É uma relação tóxica.

O que fazer com as coisas frágeis?
Ter um olhar delicado para elas. Na poesia, coloco coisas frágeis à vista, como os insetos, que as pessoas não percebem e podem pisar.

O que faz o sentido bairro-centro?
Nasci na periferia, no Itaim Paulista, o sentido bairro-centro foi uma descoberta. Fiz letras na USP, saía do bairro às duas da tarde para assistir aula às sete. Nesse trajeto, descobri outros caminhos, a literatura, a poesia.

Mas já escrevia poesia antes?
Desde que comecei a escrever, aos seis anos. Publiquei coletâneas de uns poemas bobinhos aos nove, dez anos. Minha mãe sempre me incentivou. Nos anos 90, ela me levou para uma editora independente, fiz cursos de redação e publiquei meus primeiros poemas. Mas escrever tem mais a ver com minha procura de beleza nas coisas do que com publicar.

Nos poemas do livro, você caminha muito pela cidade. Para você, a poesia é pedestre?
Sim, ela sempre anda. Escrevi que o poema é uma pedra arremessada na minha cabeça. Estou andando, vejo uma cena, sai um poema. Não sento e penso “vou escrever assim e tal”. Mas não é uma poesia vinda sem estudo. Leio muita coisa, estudei metrificação, tenho minhas referências para estar preparada para receber os versos que vêm arremessados de algum lugar.

Quais são suas grandes referências?
Tive algumas epifanias literárias. Dostoiévski foi o primeiro, tanto que fiz russo na Letras. Depois, García Márquez. E Manoel de Barros. Quando li Gramática expositiva do chão, falei: “É isso”. O Manoel tem essa coisa com os bichos, com o entorno dele, e para mim virou essa coisa com a cidade, a periferia, os lugares que morei: a ZL [zona leste], a moradia de estudantes da USP, o centro. E Drummond é a universidade da poesia para mim. Tem muitas imagens dele e de outros poetas refletidas em meus poemas.

Você também é artista visual e sua poesia é bastante imagética. Como é a relação entre as duas linguagens?
Tento desdobrar a imagem para ela sair do lugar. Ao mesmo tempo que escrevo, desenho. Agora estou pintando retratos e coloco referências de outros artistas visuais, assim como na poesia referencio outros poetas.

Você também é livreira…
Sou a grande maluca por livros. Trabalhei treze anos na Livraria Cultura. Minha relação com a poesia me ajuda no trabalho. Sou livreira-coordenadora da Megafauna. Como tem muito lançamento — isso mesmo, parem as máquinas: tem muito lançamento no Brasil — trago as novidades e ajudo a manter a linha curatorial da livraria. Na ponta, sou eu que falo para as editoras “esse livro sim, esse não”. Faço um pouco esse papel.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34).

Matéria publicada na edição impressa #83 em julho de 2024.

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