Fichamento,

Clara Kok

Musicista paulistana estreia na literatura com poemas que exploram dos sons das cidades ao silêncio do oco da incubadora

01set2024 • Atualizado em: 30ago2024 | Edição #85
(Alexandre Kok/Divulgacao)

Com sua Escuta clandestina (7Letras), poeta viaja por ruas, bairros e países com antenas ligadas para ouvir a vida atrás do barulho e enxergar o miolo das coisas.

Você sempre trabalhou com música. Como foi estrear na escrita?
Sou principalmente musicista. Comecei na música instrumental, achava que ela dava conta de todos os anseios do ser humano. Quando entrei num grupo de teatro, ganhei cenário, figurino e palavra. Entendi como a palavra e a música estão juntas e como, por muito tempo da minha vida, elas estiveram separadas — até a palavra falar: “Ei, estou aqui, eu também sou som”.

E surgiu a poesia?
Engraçado, sempre achei o poema e a canção parecidos, mas diferentes. Tenho a sensação de que os dois começam como um salto de paraquedas no escuro. Na canção, à medida que você vai colocando a harmonia e o ritmo, começa a clarear, o dia amanhece e você vê: “Olha, lá tem uma montanha; ali, um rio”. A música dá contorno para a palavra. Já a poesia é como o salto no escuro com uma lanterninha, iluminando uma coisa de cada vez. Às vezes é desesperador, nunca sei onde vou chegar. Quantas vezes eu me sentei na rede com meu gato no colo (é bom porque o gato não me deixava sair dali), começava a escrever um versinho e, quando via, esse começo virava o final do poema.

Você reescreve muito?
Demais. E não consigo jogar fora. Minha pasta de documentos Word tem um zilhão de rascunhos que não apago e nunca mais vou olhar. Uma coisa maluca é como algumas palavras entram [no poema] pelo som. No poema “panamericana”, as palavras “long necks” entrou pelo som, esse “l” que é um legume [“volto do mercado/ trazendo menos legumes/ do que long necks”]. Em outro poema do livro, “paquetá”, mudei na última hora [a palavra] acompanhá-la por atazaná-la por causa do som que lembra ratazana. Vou mudando e reescrevendo até não poder mais.

Falando nesses poemas com nome de bairros e de cidades: há muitas viagens em seu livro…
Tem muito da cidade [de São Paulo] no livro e também outros lugares: o lago Baikal [na Rússia], o porto de Santos. Adoro viajar e adoro ter para onde voltar. 

E viagens no tempo também?
O primeiro poema, “pré-história”, fala de um recém-nascido “no oco da incubadora”. Eu passei por isso, nasci com seis meses (“o hospital onde nasci/ é o lugar mais distante em que já estive”). Escrevi quando percebi minimarquinhas no meu braço, eram das agulhas colocadas quando eu estava na incubadora. E o último poema fala do deslocamento da retina que tive e é uma tendência dos que nascem prematuros. Fiz cirurgia e, quando saí da operação, a primeira coisa que perguntei para o médico foi se eu podia chorar. Podia.

E quando escreve, pode chorar?
Posso e choro. Quero saber o que tem dentro das coisas, olhar o miolo da uva, tenho essa curiosidade. Mas também faço poemas para me divertir, adoro quando dou risada de um verso que escrevi.

O que você escuta quando escreve?
Eu leio os poemas em voz alta para ver o que funciona, o som da palavra rege tudo. Quando estava na faculdade, fazia os trabalhos ouvindo [o programa de rádio] Cultura Jazz, mas não consigo fazer poesia ouvindo música.

E o que escuta clandestinamente?
As pessoas não sabem que estou com anteninha na rua ouvindo tudo aquilo que passa na cidade e, pimba, vira outra viagem, vira um poema.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, , editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34)

Matéria publicada na edição impressa #85 em setembro de 2024.

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