Capa,
Quando morre um museu
A ilustradora Renata Bueno fala sobre a capa de outubro, que aborda o trágico incêndio no Museu Nacional
30out2018 | Edição #16 out.2018Arquiteta, artista plástica e escritora, Renata Bueno assina a imagem de capa da revista #16, de outubro de 2018, que evoca o desastre do Museu Nacional do Rio de Janeiro, a mais antiga instituição científica do Brasil, incendiada em setembro. A capa alude também ao especial infantojuvenil presente na edição, em que jovens leitores resenham seus livros prediletos.
Como autora e ilustradora, Renata, que vive em Portugal, publicou diversos livros infantojuvenis pelas principais editoras brasileiras, como O que é a liberdade? (Companhia das Letras) e Quantas gotas tem a chuva? (Panda Books). Em 2013, recebeu o Prêmio Jabuti pelo livro Poemas Problemas (Editora do Brasil) e, em 2014, foi a única brasileira selecionada para a bienal de ilustração Ilustrarte, em Lisboa. Suas obras, que incluem esculturas de grande escala, serigrafias e colagens, já foram expostas em diversas galerias e museus brasileiros, além do XIV Salon de L’Éphémere, em Fontenay-sous-Bois, na França.
Sua ilustração aborda a tragédia ocorrida no Museu Nacional. Como foi o processo criativo para esse trabalho? O episódio no Museu Nacional sensibiliza diretamente quem é amante de museus como eu. Vi artes muito fortes feitas por artistas que admiro publicadas em redes sociais logo após o ocorrido. A ilustração da capa da revista tinha um duplo desafio: abordar o tema do trágico incêndio do museu e, ao mesmo tempo, dialogar de certa forma com o público infantil, já que se tratava de uma edição especial infantojuvenil. Fui para o ateliê levando algumas fotos impressas de elementos que me chamaram a atenção: uma múmia, os esqueletos de dinossauro, coleções de insetos, máscaras e objetos indígenas. Também tinha algumas fotos do prédio em chamas.
Cortei figuras em papel sem fazer nenhum desenho prévio. Tentei encontrar formas com a tesoura, formas espontâneas que poderiam dialogar com o universo infantil, mas não só com ele. Imprimi os recortes em serigrafia, cada camada com uma cor, separadas e juntas também. Numa troca com os editores, fiz testes e experiências de composições sobrepondo as camadas no computador e chegando ao resultado que julgamos responder com mais força e coerência à edição.
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Pode dividir conosco alguma reflexão que esse episódio suscitou em você? Um museu, para mim, é um lugar mágico, onde aprendo, ensino, emociono-me, divirto-me. Levo meu filho a museus desde que ele era bebê, colado ao meu corpo. Desenho, olho, fotografo, escrevo, penso. Ver as imagens do episódio no Museu Nacional me deixou muito triste. Falei com amigas queridas que moram no Rio e que tinham, além de tudo, um vínculo afetivo com o lugar. O museu em chamas revela um país numa situação precária, onde a memória é descaso, e a história e a arte não têm o valor que deveriam ter.
Acha que o brasileiro, em geral, deve valorizar mais a cultura nacional? Valorizar a cultura é valorizar o ser humano. No Brasil, poucas pessoas frequentam museus, poucas pessoas lêem livros, poucas pessoas têm acesso a uma educação de qualidade que possibilita a valorização cultural.
Qual o papel do artista no que diz respeito à aproximação do público leigo à arte? O papel do artista é fazer o seu trabalho de forma sincera. Às vezes, temos a oportunidade de aproximar o público leigo da arte e, quando isso é feito com respeito e sinceridade, pode ter resultados surpreendentes. Mas cada artista é um artista. Cada trabalho é um trabalho. Tem arte política ruim, arte pública ruim, tem arte ruim com envolvimento da comunidade. Faço meu trabalho, faço aquilo em que acredito, mesmo que não dê conta de resolver todos os problemas do mundo.
Quais são as vantagens e os desafios de criar para o público infantojuvenil? Quando trabalho em projetos que envolvem o diálogo com o público infantojuvenil, tento sempre pensar que o trabalho deve ser bom para todos. As crianças são muito sensíveis e, às vezes, nos despertam para aspectos em que não estávamos pensando.
Como é o seu local de trabalho? Vivo em Portugal, trabalho em casa, no computador, mas também frequento um ateliê coletivo, onde posso experimentar técnicas e trocar com outros artistas.
Pode nos falar de um de seus projetos mais memoráveis? Recentemente fiz uma exposição chamada Com ou sem chapéu? numa galeria municipal de uma pequena cidade em Portugal. Foi uma exposição muito bem montada, com mais de oitenta retratos dos moradores mais velhos da região. Visitei lares de idosos, residências, associações de reformados. Gravei trechos de meu diário revelando a troca afetiva dos encontros mas também tentando descrever o prazer do gesto, das escolhas, da intensidade da cor. Durante o processo de criação, envolvi escolas da região. Ao longo do mês que ficou em cartaz, a exposição teve muitas visitas. Velhos que olhavam e se reconheciam nas paredes, crianças e adultos que ouviam emocionadas às gravações. Muita gente entrou na galeria pela primeira vez na vida. Um vídeo em stop motion completava a exposição, revelando um dia de encontro no qual o retrato também foi suporte para a aproximação sincera da vida.
Matéria publicada na edição impressa #16 out.2018 em outubro de 2018.