Capa,
Natureza na ponta dos dedos
O premiado ilustrador Daniel Bueno, criador da capa de junho, fala da influência do meio ambiente em seu trabalho
15nov2018 | Edição #12 jun.2018Agraciado com diversos prêmios no Brasil e no exterior – como três prêmios Jabuti e dois Bronze (pela revista norte-americana 3×3), além de uma menção honrosa na Feira Internacional do Livro Infantil de Bolonha (Itália) –, Daniel Bueno (@daniel.bueno.180) assina a capa da revista #12, de junho de 2018, que tem a natureza como foco. Mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o ilustrador, artista gráfico e quadrinista contabiliza trabalhos para diversos veículos, editoras e instituições culturais do Brasil, entre eles Folha de S.Paulo, Companhia das Letras e Museu Lasar Segall, além de clientes corporativos como Microsoft, Unibanco e Pão de Açúcar.
Bueno já expôs na Ilustrarte (Portugal), na Bienal da Bratislava (Eslováquia) e na Society of Illustrators (New York), e seus quadrinhos já foram publicados por diversas editoras estrangeiras, como Crash! (Bolívia), Distorted Mirror (Sérvia), Ex Abrupto (Argentina), Stripburger (Eslovênia), Symposion (Sérvia) e Taco de Ojo (México). Assinou também a direção artística da animação Aos Pedaços, que foi exibida nos festivais de Ottawa (Canadá) e Annecy (França) e levou Mérito no Prix Ars Electronica (Áustria), e é professor da EBAC – Escola Britânica de Artes Criativas desde 2016.
Como foi o desenvolvimento criativo dessa capa? A pauta era “natureza mais homem”, e o briefing mencionava evolução, anatomia, o mundo orgânico, o homem e a mulher… Uma primeira ideia levantada pela própria revista foi a de um homem formado por elementos da natureza, sugerindo a ideia de que tudo passa pelo ser humano. A partir desse pontapé inicial, foi inevitável não pensar nos trabalhos de Giuseppe Arcimboldo, pintor italiano do século 16 e célebre representante do Maneirismo, famoso pelos retratos compostos por frutas, verduras, flores e mesmo objetos. Ele imperou de tal modo em minha cabeça que, em determinado momento, achei que era o caso de assumir uma paródia de sua obra.
No rascunho feito a lápis, a cabeça aparece em perfil, composta não apenas por vegetação, mas também por frutas e seres vivos diversos, como aves e peixes. A composição confere peso à figura principal, deixando espaço pro texto em um fundo mais leve, com elementos e texturas sutis. Quanto ao acabamento, achei oportuno prosseguir com a abordagem aplicada nas ilustrações do recém-lançado livro O Homem que plantava árvores (Ed. 34), em colagens com uso de fragmentos tirados de ilustrações de botânica. O resto do processo de criação envolveu a seleção desse tipo de elemento gráfico e posterior aplicação deles em imagem construída no computador. Tudo fluiu bem, sem grandes atropelos, foi algo divertido de fazer.
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Como é a sua relação com a natureza? Meus avós do lado materno viveram a vida toda no campo, são da região de Sorocaba. Desde pequeno tive uma relação forte com a natureza, com os animais do sítio. Andava a cavalo, madrugava e ia cedinho tomar leite da vaca etc. Fazia umas maldades também, tinha estratégias para capturar os pintinhos sem que a galinha percebesse. Por outro lado sou bastante urbano, quase sempre morei em edifícios, em lugares densos, e demorei muito para pensar em ter animal de estimação. De uns dez anos pra cá, isso se intensificou, muito por influência da minha namorada, Carol. Hoje tenho três gatos e rego as plantas da casa diariamente. Gosto do jeitão dos gatos, fui obrigado a entendê-los como animais, a compreender o instinto animal, suas reações específicas.
Como você equilibra projetos independentes e trabalhos para grandes corporações? Logo no começo da carreira, defini uma abordagem gráfica e com isso consegui com que os clientes me chamassem para trabalhar dentro daqueles parâmetros. Ou seja, uma ilustração para grandes corporações não significa limitação criativa. Claro que sempre procurei ter alguma maleabilidade e adequar meu estilo às variadas circunstâncias, mas sem comprometer a essência das minhas abordagens. Nessas últimas duas décadas trabalhei em áreas variadas, e acredito que dentro do mercado brasileiro isso me ajudou a sobreviver. Ao mesmo tempo, quando lidamos com contextos diferentes, temos a chance de fazer inter-relações entre as inúmeras áreas. Gosto de artistas híbridos, que misturam as coisas. Os trabalhos para grandes corporações podem ser muito prazerosos, mas é evidente que o projeto independente tem algo de especial, é 100% aquilo que o artista quer fazer. Às vezes o ritmo de trabalho é insano e fica difícil se voltar para ele. Atualmente venho pensando em finalmente me organizar para reservar um espaço de tempo maior para os projetos independentes.
Você é um multiartista. Tem uma mídia favorita? Gosto muito do livro, não tem jeito. Desde muito pequeno, folheava os livros e revistas com cuidado, enfiava o nariz no meio das páginas, dava atenção para o papel. Entendo que o livro infantil apresenta uma estrutura narrativa muito bem resolvida, gosto do equilíbrio entre imagem e texto, pena que impera culturalmente essa ideia de que “é apenas coisa de criança”. Tenho também olhado com atenção para a produção independente, e procuro, com o coletivo Charivari [que co-fundou junto a outros onze ilustradores brasileiros], investigar soluções inusitadas.
Adoro HQ desde pequeno, mas acho complicadíssimo arranjar tempo para fazer uma. A metalinguagem nos quadrinhos é uma das coisas que mais me interessam, isso vem sendo muito explorado, mas ainda vejo terreno para investigação. Comecei a fazer experimentações no espaço que tenho na Folha, apelidei a série de Banda Quadrográfica. É uma estratégia para estar sempre produzindo algo do gênero, semana a semana. Já dá para juntar esse material e fazer um livro. Esse é o tipo de pesquisa que pode, eventualmente, sair do suporte tradicional. Ou seja, gosto de livros e revistas, mas estou totalmente aberto a outras mídias. Holografia, vídeo, música, computação, tudo interessa.
Como é seu local de trabalho? Meu estúdio fica no meu apartamento, localizado no centro da cidade. Apesar do entorno urbanizado, da janela vejo apenas árvores. Ao contrário de outros estúdios em que os originais e materiais de desenho predominam, no meu espaço prevalece a estante cheia de livros, que ocupa uma parede quase inteira. Do outro lado, uma mesa comprida, para computador, scanner etc. Ultimamente ando usando mais técnicas manuais, e com isso veio a necessidade de muitas gavetas para guardar esse material, mas a grande mapoteca da casa fica nos fundos, em outro quarto.
Se você tivesse fundos ilimitados para investir num projeto, o que faria? Pergunta difícil essa. É tanta coisa que passa pela cabeça. Sempre gostei da ideia de fazer uma revista. Mas acho que embarcaria provavelmente em algum projeto independente, daqueles com os quais a gente não sabe o que vai acontecer de antemão. Talvez uma pesquisa com a linguagem da HQ, recorrendo a novas mídias. Com fundos ilimitados daria para recorrer a tecnologia de ponta, trabalhar com outras escalas, as possibilidades seriam enormes.
Matéria publicada na edição impressa #12 jun.2018 em junho de 2018.
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