Pois é, saí fininho por aí como um rato
amedrontado mascarado se esgueira
pelas sobras do mundo: terra plana.
Nem monturos de lixo nem bagaços de farra
nem destroços de guerra se avistavam
nos espaços desertos da cidade.
Andei sem sombra, pois nada a mim se contrapunha,
carros não corriam como baratas tontas
(pilotados pelo estrondoso furor dos motoristas)
e as motos temerárias que antes saracoteavam nas pistas
como corcéis medievais cumprindo seus belicosos papéis
não tinham na desolação dos cenários
mais vez nem voz. Nenhum de nós, a não ser eu, hélas,
que era minha própria e imprópria testemunha,
se aventurava nesse dia
a ver que a máquina do mundo enguiçou.
Alguma coisa estava acontecendo…
Os soberbos edifícios calados
enfileiravam-se inertes tristemente.
As torres industriais não vomitavam
a fumaceira encardida dos seus venenos.
À falta de fiéis, ninguém vendia salvação nas esquinas.
Fecharam-se os bordéis, os bares e os bazares, os bancos.
Ninguém se atropelava, mas quem se arriscaria a namorar,
se a contaminação da pandemônia estava à solta e invisível?
Políticos artríticos não se dispunham
(talvez enfim de si envergonhados)
a sacar na sacada os microfones blindados
que filtram seus discursos pomposos de ursos de circo treinados
para enganar multidões de anestesiados otários.
Pude olhar para o ar, que estava limpo
e onde os passarinhos de sempre dedilhavam
seus trinados alegres pespontados
nos sadios arabescos do voo em liberdade.
Pude olhar para as nuvens, que aviões não rasgavam,
desenhando no fundo do infinito, tão maior do que tudo,
suas formas de sonhos que se consolidam e esgarçam.
Alguma coisa estava acontecendo,
porque um fio de luz, tão de manhã
no coração das trevas, iluminou minha presença,
bateu asas nos olhos e sumiu.
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DEZEMBRO, 2024