Flip,

A fotógrafa e as celebridades locais

Nair Benedicto conheceu e fotografou personagens da cidade

22nov2022 | Edição #63

A fotógrafa Nair Benedicto já conhecia e gostava de Paraty, mas a manhã de 1º de janeiro de 1971 foi uma espécie de epifania para ela. Benedicto saíra da prisão havia seis meses — foi presa pelos órgãos de repressão da ditadura em 1969 — e foi comemorar o Réveillon com a família na cidade. “Qual não foi minha surpresa quando encontrei um monte de amigos? Muita gente que tinha saído da prisão resolveu passar o Ano Novo em Paraty”, conta. 

Os amigos beberam, cantaram e foram para a praia ver o dia nascer. Dormiram na areia. “Quando acordei, vi um monte de bundas pretas iluminadas pelo sol. Lindo. Achei que estava sonhando.” Não era sonho e sim bailarinos do Senegal dançando na areia. “Para nós, que estávamos saindo da cadeia, foi o melhor Ano Novo da vida.”

A história de amor com Paraty continuou e Benedicto e o marido compraram uma casa na cidade, onde passavam longas temporadas com os filhos e amigos. Nos anos 80, ela foi convidada a fazer fotos do local para a Festa do Divino e resolveu fotografar os personagens da cidade. 

 mostra com as fotos de moradores de Paraty foi montada na catedral da praça, e a população fazia filas enormes para entrar. “Claro, era deles e para eles. Foi a minha exposição mais badalada.”

Ali, estavam fotos das celebridades locais: um morador negro que jogava futebol e era sempre chamado por cineastas que vinham filmar em Paraty e pediu para ser fotografado caracterizado como indígena; o João do carrinho de doces, que vendia cocada com poesia; o Julio Paraty, pintor naïf discípulo de Djanira.

Essas e outras fotos estão no livro Essa é a vida que eu quis, fruto de uma segunda exposição desse trabalho, realizada em 2014 na Casa de Cultura de Paraty. Quando Benedicto mandou uma leva de fotos para a diretora da Casa de Cultura à época, havia no lote uma foto de dona Candoca, já morta na ocasião. A diretora começou a chorar: dona Candoca era sua avó, uma negra casada com um italiano e que, por causa de sua cor, era proibida de entrar com o marido no clube da cidade. Esse clube viria a ser transformado na casa de cultura. Finalmente, com sua foto na exposição, dona Candoca foi admitida no local. 

Nesta 20ª edição da Flip, Nair Benedicto participa da mesa Livre e Infinito, dedicada à fotógrafa Claudia Andujar, que a artista conheceu no final dos anos 70. “Eu sempre mostrava meus trabalhos para a Claudia. Ela era uma das poucas, entre os fotógrafos famosos da época, com quem realmente tinha um diálogo sobre as fotos”, conta ela que, anos depois, também fez ensaios na Amazônia, fotografando tanto indígenas quanto quilombolas e lideranças de movimentos pela terra.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, é autora de Tantra e a arte de cortar cebolas (Editora 34).

Matéria publicada na edição impressa #63 em novembro de 2022.