Capa,

O ano de Euclides

Daniel Caballero ilustra a edição especial sobre a Flip 2019

30jun2019 | Edição #24 jul.2019

Daniel Caballero perambula pela cidade coletando e registrando dados sobre a paisagem (e, às vezes, interferindo nela) em busca dos últimos metros de sertão, e apresenta o resultado de suas investigações em forma de arte. Seu trabalho se manifesta em diversas midias, que vão de suportes tradicionais como desenho, instalação e video a ações fora do espaço expositivo institucional. É idealizador do projeto Cerrado Infinito, que mistura desenho, land art, artivismo, intervenção urbana e parcerias com outros artistas, e escreveu o livro Guia de campo dos Campos de Piratininga ou O que sobrou do cerrado paulistano ou Como fazer seu próprio Cerrado Infinito (La Luz del Fuego & Grou) — leia a resenha aqui. Ele ilustrou a capa da edição 24, inspirada em Os sertões de Euclides da Cunha.

Como foi a ideia para a ilustração? Visitei a caatinga há alguns anos — a Serra da Capivara, no Piauí — e, diferentemente do que imaginava, encontrei uma vegetação muito interessante e um dos lugares mais bonitos em que já estive. O que vi contrastava com a imagem do sertão árido e estéril. Imaginei uma cena que privilegiasse a vegetação e sua beleza, sem esconder o calor, por isso há flores e fogo sugerindo um inferno bonito.

E a pesquisa para caracterizar Euclides da Cunha e o cenário? Muitas das plantas eu já conhecia, mas as escolhi á partir dos relatos do livro. Já de Euclides, felizmente, há várias referências fotográficas.

Você é leitor de Euclides? Li Os sertões e  me encanta a forma como ele cria uma ambiência do lugar que ele narra, repleta de detalhes. Vi algumas criticas questionando como ele mostrou Canudos mas, independentemente de outros estudos e pontos de vista, e mesmo com a mentalidade de época do autor, ou até por isso mesmo, o livro mostra um Brasil medieval que está bem presente hoje, é só viraro a esquina. 

O cerrado brasileiro é um tema forte no seu trabalho. O que o atrai a ele? Eu estudo o sertão da capital paulista, os Campos de Piratininga. Parece sem sentido falar hoje de um sertão bem no meio da cidade de São Paulo. O sertão é um símbolo de atraso extinto e esquecido pelo urbanismo, enquanto que São Paulo ainda simboliza desenvolvimento. Mas minha tese é de que mais do que um cenário, sem os campos de cerrado, São Paulo não existiria e boa parte do que hoje chamamos de Brasil teria outros rumos.

Como é a filosofia do "comportamento ruderal"? Ruderal vem do latim ruderis, significa entulho, e designa espécies de plantas que seguem o rastro de destruição humana, ocupando um ambiente em ruínas e reestabelecendo condições de vida para espécies mais sensíveis. Á partir do Cerrado Infinito, eu me tornei efetivamente um artista ruderal, com o enunciado de "utilizar espaços institucionais áridos ou terrenos públicos assépticos da cidade para estabelecer territórios de diversidade biológica e cultural". Um movimento de pessoas tem circulado ao redor desse projeto, que só pode existir coletivamente. 

Quais são os seus próximos projetos? Estou escrevendo a continuação do meu livro, que, aliás esta praticamente esgotado, e pretendo lançar uma nova edição ampliada. Também vou participar de duas exposições interessantes em São Paulo na segunda metade do ano.

Matéria publicada na edição impressa #24 jul.2019 em junho de 2019.