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A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras

MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

Público na praça Charles Miller no primeiro dia d'A Feira do Livro 2025 (Nilton Fukuda)

A FEIRA DO LIVRO 2025,

Debates políticos esquentam primeiro dia d’A Feira do Livro

Democracia, extrema direita e meio ambiente foram alguns dos temas debatidos por convidados como Marilena Chaui e Drauzio Varella

14jun2025 • Atualizado em: 15jun2025

Debates políticos esquentaram o primeiro dia d’A Feira do Livro neste sábado (14), na praça Charles Miller. Democracia, extrema direita no Brasil e na Europa e meio ambiente foram alguns dos temas debatidos em mesas com convidados como a filósofa Marilena Chaui, o médico e escritor Drauzio Varella e os jornalistas Eugênio Bucci e Pedro Doria.

Na mesa Encontro com Marilena Chaui, em conversa com o jornalista Fernando de Barros e Silva, apresentador do podcast Foro de Teresina, a filósofa afirmou: “Considero que neoliberalismo é totalitário”. Falando sobre O que é ideologia?, seu volume da clássica coleção Primeiros Passos relançado este ano com o título Ideologia: uma introdução pela Boitempo, a professora explicou que a marca do totalitarismo é tornar indiferenciadas todas as esferas da existência humana — a casa, a escola, a igreja, o Estado. “Tudo assume uma forma e organização idêntica, que é da empresa, e isso culmina na ideia do empresário de si mesmo”, explicou. “Por isso se fala em gestor, não em governante.”

A filósofa Marilena Chaui (Flavio Florido)

Já Eugênio Bucci e o historiador Carlos Fico lançaram um alerta na mesa 40 anos de democracia, que relembrou as quatro décadas do fim da ditadura militar no Brasil: em um momento em que alguns dos acusados pela mais recente tentativa de golpe no país são confrontados em rede nacional, não estamos livres da ameaça de novas rupturas democráticas. “Por algum motivo, acabamos caindo num lugar que pensa a democracia como se ela tivesse caído do céu. Não, a democracia é um trabalho árduo. É difícil erguê-la e é difícil mantê-la. Ela precisa de dedicação e de muita gente na sua linha de frente”, alertou Bucci.

O jornalista Eugênio Bucci e o historiador Carlos Fico (Flavio Florido)

Na mesma tônica, na mesa O fascismo que fala português, o historiador português Fernando Rosas e o jornalista brasileiro Pedro Doria traçaram paralelos entre os movimentos autoritários nos dois países, no presente e no passado, e apontaram que a crise da democracia atual só será respondida quando houver uma resposta ao ideário do “cada um por si” promovido pela extrema direita, e quando as instituições políticas forem refundadas conforme os desafios de hoje, não do século 20. A conversa apontou como o maior desafio atual a frustração com a falta de respostas a necessidades básicas, como saúde, educação e emprego, especialmente entre homens, o que os torna alvo fácil para um ideário voltado ao passado.

Também fazendo conexões com outros países lusófonos, Fernando Rosas, o cantor, compositor e poeta Mário Lúcio Sousa, de Cabo Verde, e a escritora portuguesa Lídia Jorge defenderam o estudo da História para combater a extrema direita. Na mesa 50 Anos de liberdade, eles criticaram o desejo de retorno ao passado colonial por grupos radicais conservadores portugueses e abordaram também o fascismo do passado e do presente, a colonização portuguesa no continente africano e a ascensão da extrema direita na Europa e no mundo.

Ainda no tom político, mas em outra chave — a do meio ambiente —, Drauzio Varella e Ricardo Cardim trouxeram o encantamento da floresta e defenderam a importância de preservar a biodiversidade na mesa Do rio Negro ao Tietê, que encerrou o primeiro dia d’A Feira do Livro. Para Varella, a estratégia para manter a floresta em pé é atrair universidades para lá, criar centros de pesquisa, mas, por causa de uma visão xenófoba, “a pessoa pode chegar [na floresta] com uma motosserra e ninguém fala nada; mas se chega com uma tesourinha de podar, já falam que é pirataria”.

Música e literatura

Mas nem só de política se faz um festival literário. O sábado começou ao som de Adoniran Barbosa, Rita Lee, Luiz Gonzaga e outros artistas brasileiros, na execução do Ensemble Fundação Theatro Municipal (FTM), que ficou a cargo de abrir a programação desta edição d’A Feira do Livro

Na sequência, o público também pôde apreciar uma apresentação do Barbatuques, grupo que mistura música cantada com percussão corporal, que inaugurou o Espaço Rebentos, nova área da feira dedicada aos pequenos leitores. Eles ainda puderam participar de bate-papos com o autor mineiro Edmilson de Almeida Pereira e a vencedora do prêmio Jabuti Silvana Rando, e de uma oficina com Camila Sardinha baseada nos livros da série Gatos alados, da autora estadunidense de Ursula K. Le Guin.

Já os leitores crescidos puderam contar com conversas sobre uma variedade de gêneros literários. A crônica foi o tema da mesa Um milhão de ruas, com Fabrício Corsaletti e Ricardo Terto, que discutiram a capacidade desse gênero de se intrometer na vida do leitor a ponto de fazer alguém perder a parada do ônibus. Terto destacou a beleza de “escrever algo que de certa forma vence o tempo capturado”. “Sinceramente, 90% dos romancistas brasileiros não chegam aos pés dos melhores cronistas brasileiros”, exaltou Corsaletti.

O cronista Fabrício Corsaletti (Flavio Florido)

O jornalista e escritor Carlos Marcelo, por sua vez, defendeu que todo livro é, em última instância, um jogo. Em O escutador, seu último lançamento, que deu nome à mesa d’A Feira do Livro, ele leva essa metáfora ao extremo com um romance que simula ser dois — a capa traz o nome de um autor enquanto a sobrecapa exibe outro, e notas de rodapé assinadas pela “editora” interferem diretamente na narrativa principal, provocando desconfiança no leitor.

A poesia também teve espaço. A mesa Lugares onde não estou reuniu Paloma Vidal e Laura Liuzzi, duas poetas que encontraram na maternidade um ponto de contato entre seus trabalhos, muito diferentes entre si. Elas tiveram filhos na mesma época, mas enquanto Paloma relata o cotidiano familiar no livro que dá nome à mesa, Liuzzi não fala diretamente da experiência — ao contrário, tentou produzir seu Poema do desaparecimento (Círculo de Poemas, 2024) a partir da perspectiva da filosofia externalista, que entende a consciência como algo que não está centrado no cérebro, mas sim em elementos externos. “A gente se encontra nesse movimento para fora. Você [Paloma] consegue anotar tudo, parece um documentário do cotidiano, e eu estou tentando desaparecer”, comparou Liuzzi.

A poeta Paloma Vidal (Nilton Fukuda)

A partir de um recorte mais geográfico, a autora gaúcha Veronica Stigger explorou sua relação com São Paulo, cidade que adotou há 24 anos e que permeia sua literatura. “Minha escrita, os textos pelos quais estou pensando, eles passam muito por essa experiência de estar na rua”, disse Stigger na mesa Palavra expressa. Já a linguista argentina Marina Berri e o professor de literatura e cultura russa da Universidade de São Paulo (USP) Bruno Gomide conversaram sobre a paixão que compartilham pela língua, a literatura e a cultura da Rússia na mesa Alfabeto russo.

Outros espaços

A programação paralela d’A Feira também esquentou o primeiro sábado gelado no Pacaembu. Foram quinze mesas distribuídas nos três Tablados Literários, pequenos palcos com bate-papos, apresentações e debates dos mais variados, organizados por expositores e parceiros. De literatura fantástica a aforismos filosóficos, entre os destaques do dia estavam as homenagens a Dalton Trevisan e Ziraldo, uma conversa sobre os ângulos de visão dos escritores negros, com Luciany Aparecida e Vinicius Neves Mariano, e um debate sobre o arrebatamento digital, com Natalia Viana e João Paulo Charleaux.

O primeiro dia do festival literário também teve uma programação de oficinas gratuitas em torno do livro e da leitura, realizadas em parceria com diversas instituições e artistas, em que o público pôde se aventurar por atividades como encadernação, colagem e xilogravura.A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.

A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.