
Repertório 451 MHz,
Em outras palavras
Paulo Henriques Britto e Anna Vianna falam sobre tradução literária, interpretação simultânea e os desafios da profissão com a inteligência artificial ganhando espaço
13jun2025Está no ar o 141º episódio do 451 MHz, o podcast dos livros. Neste episódio, Paulo Henriques Britto e Anna Vianna, dois tradutores que atuam de formas muito diferentes, conversam sobre o ofício da tradução e os desafios que fazem parte do trabalho de transpor ideias de um idioma para o outro.
Nessa conversa, Britto e Vianna falam sobre muito do que faz parte do universo da tradução: tradução literária, interpretação, técnicas de tradução. Eles discutem também os desafios que têm sido trazidos pelas inovações tecnológicas, especialmente pela inteligência artificial, e quais impactos imaginam que isso terá no futuro da profissão. O episódio foi realizado com o apoio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais.
Paulo Henriques Britto, além de tradutor, é poeta, contista, ensaísta e professor. Em maio deste ano, ele se tornou também um imortal da Academia Brasileira de Letras ao ser eleito para a cadeira número 30, que pertencia a Heloísa Teixeira. Ele já publicou catorze livros, sendo oito de poesia, três de ensaio e um infantojuvenil, e já traduziu mais de 120 livros de autores de língua inglesa. Entre eles, Charles Dickens, Lord Byron e Elizabeth Bishop. Britto é também um dos convidados d’A Feira do Livro, que acontece em São Paulo de 14 a 22 de junho. Veja a programação aqui.
Anna Vianna é bióloga de formação, mas foi na tradução que encontrou sua vocação. Ela se formou como intérprete de conferências e tradutora e teve Paulo Henriques Britto como um de seus professores. A tradutora trabalha principalmente como intérprete simultânea. É dela, por exemplo, a voz oficial da transmissão da cerimônia do Oscar da TV Globo desde 2008. Ela também já participou de várias edições da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, traduzindo as falas de autores internacionais.
Comédia como termômetro
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Como saber se a tradução está a altura do texto original? Segundo Paulo Henriques Britto, só dá pra saber de imediato o efeito de uma obra traduzida sobre o leitor no caso de uma comédia. “Você conta uma piada e as pessoas caem na gargalhada, mas aí você conta a piada traduzida para o outro público e ninguém ri. Então, a tradução não está boa”, explica.

Já na tradução simultânea, Vianna precisa ter rapidez na hora de decidir o que vai ou não traduzir. “Na Flip, por exemplo, o meu maior pesadelo não é piada. Muitas vezes a pessoa fala, ‘eu vou recitar Fernando Pessoa’, e aí a minha técnica é falar, ‘por favor, aproveitem no original’. Eu não sou louca de fazer um Shakespeare ou um Fernando Pessoa, seja lá o que for, impromptu [de improviso] para o inglês ou para o português, porque aí é maluquice”, admite.
Traduzido por robôs
A tradução automática feita via inteligência artificial vem se desenvolvendo rapidamente e de tal forma que muitas vezes já é difícil distinguir o que foi feito por humanos do que é obra da tecnologia. Para Britto, no entanto, o cérebro humano ainda é imbatível. “Vai ter um dia que uma máquina vai poder traduzir Henry James razoavelmente bem. Mas você vai ter que realmente igualar a capacidade humana de fazer milhões de ajustes, de observações de caráter crítico, avaliativo. Acho que ainda não chega amanhã, não.”

Para Vianna, a inteligência artificial pode até ser usada em contextos de interpretações mais repetitivas, mas as máquinas são incapazes de colocar a personalidade e a emoção necessárias. “O intérprete vai traduzir a personalidade do autor, o tradutor literário vai traduzir a personalidade da obra. Eu tenho certeza que se o cara é chato, na minha voz de tradução vai sair um cara chato, se o cara é divertido, eu também vou passar essa emoção.”
Caminhos para uma boa tradução
Anna Vianna e Paulo Henriques Britto têm uma carreira longa na tradução e compartilharam, neste episódio, alguns conselhos para jovens que estão iniciando na profissão. “O primeiro conselho é ler muito na língua para a qual ele traduz, tem que ser muito bom em português. Segundo conselho: leia muito também na outra língua da qual você está traduzindo. É menos importante, mas é muito importante também”, afirma Britto.
Vianna destacou também a importância da formação. “Para mim é essencial. Eu, até hoje, faço pelo menos um curso por ano em alguma área da interpretação. Um truque que eu sempre sugiro para todo mundo é: ouça podcast na língua original e na língua para a qual você está traduzindo, para ter justamente esse feeling do que está acontecendo naquele país de origem e no país-alvo para o qual você está traduzindo.”
Livros do episódio
Saiba mais sobre os títulos que aparecem nesta edição do 451 MHz:
- Ilíada (Editora 34, 2023). Clássico de Homero, considerado o marco inaugural da literatura ocidental. O poema, formado por mais de 15 mil versos em hexâmetro datílico, distribuídos em 24 cantos, narra a tragédia de Aquiles e a Guerra de Troia.
- Odisseia (Editora 34, 2023). Sequência da Ilíada, também é atribuída a Homero, e narra a volta do herói Ulisses à sua terra natal após a Guerra de Troia.
- O castiçal florentino (Companhia das Letras, 2021). É uma coletânea de contos escritos por Paulo Henriques Britto ao longo de muitos anos, sendo os mais antigos datados da década de 70.
- As incríveis aventuras do super-herói Cupcake Gigante e seu fiel escudeiro Jarbas (Editora 34, 2025). Livro infantojuvenil de Paulo Henriques Britto e ilustrado por Caco Galhardo. Conta a história de um cupcake e um humano que vivem diversas aventuras num mundo alternativo.
Mais na Quatro Cinco Um
Paulo Henriques Britto é convidado d’A Feira do Livro 2025 e vai participar de duas mesas no dia 19 de junho. Primeiro, ao lado de Glauco Mattoso e Fernando Luna, Britto integrará a mesa “Alexandrinos heroicos”. No mesmo dia, conversará sobre livros infantis lançados pela Editora 34 com Caco Galhardo e Fabrício Corsaletti. Veja aqui a programação completa.
Britto também já esteve no 451 MHz, no episódio #17 para falar sobre Elizabeth Bishop, homenageada da Flip em 2020.
O melhor da literatura LGBTQIA+
Este episódio traz ainda uma dica do coreógrafo, performer e escritor Wagner Schwartz. Ele é autor de A nudez da cópia imperfeita (Nós, 2023), inspirado num episódio de ódio sofrido pelo autor após fazer uma performance no Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM, em 2017.
Schwartz indica João, romance de Ronie Rodrigues publicado em 2024 pela Telaranha.

“Em João, Ronie apaga o contexto de Harmada, de João Gilberto Noll, um de seus autores preferidos. Retira dele as palavras que só cabem no seu corpo. O livro de Noll não perdeu páginas, perdeu o narrador. Quando leio João, escuto a voz de Ronie”, resume Schwartz.
O 451 MHz é uma produção da Associação Quatro Cinco Um.
Apresentação: Paulo Werneck
Produção: Beatriz Souza e Mariana Franco
Edição e mixagem: Igor Yamawaki
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Para falar com a equipe: [email protected]
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