

O ativista estadunidense Malcolm X, que completaria 100 anos nesta segunda, 19, se opunha à ideia de uma revolução não violenta, a qual ele chamou de “revolução dos negros”. Para ele, o único caminho seria, na verdade, a “revolução negra”, inspirada nas guerras por independência nos países africanos, que não temiam o derramamento de sangue.
Custe o que custar, seu lema, nomeia a nova coletânea de declarações, discursos e entrevistas do militante, publicada pela editora Ubu em tradução de Rogério W. Galindo. O volume acompanha a reformulação das ideias de Malcolm X após romper com a Nação do Islã em 1964, quando anunciou que assumiria uma luta mais incisiva contra o racismo e a violação de direitos humanos pelo governo norte-americano.

No trecho abaixo, uma das entrevistas incluídas na coletânea, concedida a A. B. Spellman, poeta do Movimento das Artes Negras, Malcolm X esclarece sua nova posição no jogo político estadunidense.
Trecho de ‘Custe o que custar’
A. B. Spellmann: Por favor responda a essas acusações frequentemente feitas contra você: de que você é tão racista quanto Hitler e a Ku Klux Klan etc. De que você é antissemita. De que você defende a violência da multidão.
Malcolm X: Não, nós não somos nem um pouco racistas. Nossa fraternidade se baseia no fato de que somos todos negros, pardos, vermelhos ou amarelos. Nós não chamamos isso de racismo, assim como provisório você não iria se referir ao Mercado Comum Europeu, que é formado por europeus, o que significa que é formado por pessoas de pele branca – você não iria se referir a isso como sendo uma coalizão racista. As pessoas se referem a ele como o Mercado Comum Europeu, um grupo econômico, ao passo que o nosso desejo de unidade entre negros, pardos, vermelhos e amarelos tem como propósito a fraternidade – não tem nada a ver com racismo, não tem nada a ver com Hitler, não tem nada a ver com a Ku Klux Klan. Na verdade, a kkk neste país foi planejada para perpetuar uma injustiça contra os negros, ao passo que os Muçulmanos têm o papel de eliminar essa injustiça que tem sido perpetrada contra o chamado homem negro.
Somos contra a exploração, e neste país os judeus têm se encontrado na chamada comunidade negra na posição de mercadores e negociantes há tanto tempo que se sentem culpados quando você menciona que os exploradores dos negros são judeus. Isso não significa que sejamos contra os judeus ou antissemitas – somos contra a exploração. Não. Jamais estivemos envolvidos em qualquer tipo de violência. Jamais demos início a qualquer violência contra qualquer pessoa, mas acreditamos que quando se pratica violência contra nós, devemos ser capazes de nos defendermos. Não acreditamos em oferecer a outra face.
Por que você achou que era necessário sair da Nação do Islã?
Bom, eu me deparei com oposição dentro da Nação do Islã. Muitos obstáculos foram colocados no meu caminho, não pelo Honorável Elijah Muhammad, mas por outras pessoas próximas a ele, e como acredito que a análise feita por ele do problema racial é a melhor e que a solução apontada por ele é a única, senti que eu só poderia desviar desses obstáculos e levar o programa dele adiante ficando fora da Nação do Islã e criando um grupo muçulmano que é um grupo de ação planejado para eliminar os mesmos males que os ensinamentos do Honorável Elijah Muhammad tornaram tão evidentes neste país.
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Qual sua atitude em relação a grupos cristãos-gandhianos?
Cristão? Gandhiano? Eu não topo nada que seja não violento e do tipo “ofereça a outra face”. Não vejo como qualquer revolução… nunca ouvi falar de uma revolução não violenta ou de uma revolução que aconteceu com as pessoas oferecendo a outra face, e por isso acredito ser um crime que alguém ensine uma pessoa que está sendo tratada brutalmente a continuar aceitando essa brutalidade sem fazer algo para se defender. Se é isso que a filosofia cristã-gandhiana ensina, então ela é criminosa – uma filosofia criminosa.
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Você disse que esse será o ano mais violento da história das relações raciais nos Estados Unidos. Elabore isso.
Sim. Porque o negro já abriu mão da não violência. Esse negro com seu novo modo de pensar está começando a perceber que quando ele protesta por aquilo que segundo o governo são seus direitos, a lei deveria estar do seu lado. Qualquer um que coloque um obstáculo diante daquele que está reclamando seus direitos está violando a lei. Muito bem, você não vai aceitar um provisório elemento violador da lei impondo violência aos negros que estão tentando implementar a lei, portanto, quando os negros começarem a ver isso, vão começar a revidar. Em 1964 você vai ter negros que revidam. Nunca mais haverá não violência, isso acabou.
Você usa muito a palavra revolução. Existe uma revolução em curso nos Estados Unidos?
Não havia. A revolução é como um incêndio florestal. Queima tudo em seu caminho. As pessoas que estão envolvidas em uma revolução não se tornam parte do sistema – elas destroem o sistema, elas mudam o sistema. A palavra genuína para uma revolução é Umwälzung, que significa uma reversão completa e uma mudança completa, e a revolução dos negros não é uma revolução porque ela condena o sistema e depois pede ao sistema que condenou para ser aceita no sistema. Isso não é uma revolução – uma revolução muda o sistema, ela destrói o sistema e o substitui por outro melhor. É como um incêndio florestal, como eu disse – queima tudo no caminho. E o único modo de impedir que um incêndio florestal queime a sua casa é começar outro incêndio que você controle e usá-lo contra o fogo que está fora de controle. O que o homem branco nos Estados Unidos fez é perceber que existe uma revolução negra no mundo todo – uma revolução não branca no mundo todo – e ele vê essa revolução vindo na direção dos eua. E para conter isso ele deu início a um incêndio artificial que ele denominou de revolução negra, e ele está usando a revolta dos negros contra a verdadeira revolução negra que está acontecendo em todo o mundo.
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