Repertório 451 MHz,

Meio intelectual, meio de esquerda: uma década depois

O escritor Antonio Prata fala de roteiro, história, política e os dez anos do livro que o colocou no mapa

07ago2020

Está no ar o vigésimo terceiro episódio do 451 MHz, o podcast da revista dos livros! Duas vezes por mês, trazemos entrevistas, debates e informações sobre os livros mais legais publicados no Brasil. 

O apresentador Paulo Werneck tem uma conversa sobre literatura, imprensa, roteiro, história e política com o escritor Antonio Prata, autor da antologia de crônicas Meio intelectual, meio de esquerda (Editora 34), marco literário da geração que se criou no período da redemocratização no Brasil. Prata traz notícias frescas do movimento político contra o autoritarismo Estamos Juntos e fala de formatos editoriais à disposição do cronista, ilusões da esquerda no Brasil nos últimos dez anos, viver de escrever e a alegria de frequentar um bar ruim, que vem fazendo falta nessa quarentena.

Ouça o episódio aqui e agora: 

A página Repertório 451 MHz reúne os links para o último episódio e para os livros citados, listas, além de imagens, sugestões de leitura e outras indicações para se aprofundar nos temas discutidos. 

O podcast 451 MHz pode ser ouvido gratuitamente no site da revista e também nos principais tocadores de podcasts. Ele é publicado na primeira e na terceira sexta-feira de cada mês. 

A apresentação é do editor Paulo Werneck e a direção é da jornalista Paula Scarpin, da Rádio Novelo, start-up de podcasts que produz o 451 MHz para a Associação Quatro Cinco Um. Para contribuir com a realização do podcast, convidamos você a fazer uma assinatura da Quatro Cinco Um, a revista dos livros.


O escritor e roteirista Antonio Prata

Bloco 1 (4:45): O novo banal

No primeiro bloco, Antonio Prata fala sobre o livro que o consagrou, Meio intelectual, meio de esquerda (publicado pela Editora 34 na coleção Nova Prosa), uma década depois de sua publicação, destacando a célebre crônica “Bar ruim é lindo, bicho!“. “Eu não dei muita bola porque era uma coisa muito íntima, muito caseira, definia a nossa turma. Achava que não tinha muito apelo, que eu estava chovendo no molhado. Percebi, quando foi publicada, que definia um perfil que pra muita gente não era tão óbvio”, conta Prata. “O bar ruim tem uma coisa meio fetichizada, meio etnográfica, de acreditar que ir a ele é uma espécie de mergulho antropológico. O texto tira um pouco de sarro disso.”

“Bar ruim é lindo, bicho”, lido pelo ator Marcos Palmeira

Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso freqüento bares meio ruins. Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de cento e cinqüenta anos. (Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de cento e cinqüenta anos, mas tudo bem.)

No bar ruim que ando freqüentando ultimamente o proletariado atende por Betão — é o garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando resolver aí quinhentos anos de história.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar "amigos" do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.

— Ô Betão, traz mais uma pra a gente — eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem frango à passarinho ou carne-de-sol com macaxeira, que são os pratos tradicionais da nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gâteau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim. Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne-de-sol, uma lágrima imediatamente desponta em nossos olhos, meio de canto, meio escondida. Quando um de nós, meio intelectual, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectuais, meio de esquerda, freqüenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.

O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo freqüentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto freqüentado por artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a gente chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e, principalmente, universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que freqüentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevette e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico. E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.

Os donos dos bares ruins que a gente freqüenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantêm o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam cinqüenta por cento o preço de tudo. (Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato). Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae. Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão raiz.

Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda em nosso país. A cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelos Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gâteau pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda que, como eu, por questões ideológicas, preferem frango à passarinho e carne-de-sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca, mas é como se diz lá no Nordeste, e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o Nordeste é muito mais autêntico que o Sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é bem mais assim Câmara Cascudo, saca?).

— Ô Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?

 

Prata também fala sobre atividades cotidianas da quarentena, como reuniões pelo aplicativo Zoom e homeschooling de crianças — que, segundo ele, são exemplos do “novo banal” —, e comenta os desafios de ser cronista atualmente. “Bolsonaro me impede muitas vezes de escrever crônicas pra escrever artigos de opinião. Pra ter que falar certas coisas óbvias do tipo a tortura não é legal. Isso me chateia.” Ele fala ainda da websérie “Sala de roteiro”, que tem roteiro seu e direção de Fernando Meirelles. Assista abaixo ao primeiro episódio.
 

Bloco 2 (33:25): Frente ampla

No segundo bloco, Prata fala das ilusões da esquerda na última década e do movimento político Estamos Juntos, do qual é articulador, que luta por uma frente ampla pelas liberdades democráticas no país. “A gente não puniu os assassinos da ditadura e isso abre espaço para o genocídio do Bolsonaro.” Ele reflete ainda sobre os problemas do discurso da brasilidade e como o carnaval da elite cultural ajudou a escamotear os grandes conflitos brasileiros, discute o papel da imprensa na luta pela democracia e os formatos editoriais à disposição do cronista, e fala dos roteiros que têm escrito para atores como Fernanda Montenegro, Fernanda Torres, Lázaro Ramos e Tais Araújo. E afirma, categoricamente: “O mais importante neste momento é o Trump não ganhar [as eleições] nos Estados Unidos”.

Parênteses

Companhia das Letras

Este episódio tem o apoio da editora Companhia das Letras.
 

Canções de atormentar, de Angélica Freitas, traz o olhar afiado de uma poeta que, com inteligência e ironia, observa a si e ao mundo. Os poemas rememoram a infância no Sul, com o pé de araçá plantado pela avó, relatam o esforço inútil de tentar compreender o Brasil de hoje e discutem a injustiça, o machismo e a nostalgia de uma nação que não passou de projeto.
 
O livro reúne poemas ora ferozes, ora desiludidos, sem nunca perder de vista a urgência, a vivacidade, o humor e o tom incisivo que consagraram a autora como um dos nomes mais originais da literatura contemporânea.
 
Saiba mais em www.companhiadasletras.com.br.

Assinantes da Quatro Cinco Um têm 20% de desconto para compras no site da editora.

Todavia

Você conhece o Quarta Capa, o podcast da todavia? 

No ar toda última quarta-feira do mês, o Quarta Capa traz conversas que têm os nossos livros como ponto de partida para discutir questões atuais, sempre com participações preciosas de autores, livreiros e leitores. 

O episódio mais recente, por exemplo, parte do romance A ridícula ideia de nunca mais te ver, da espanhola Rosa Montero, para um papo franco sobre luto com a jornalista Camila Appel. Todos os episódios do Quarta Capa estão disponíveis nas principais plataformas de streaming. 

E falando em boas histórias e boas conversas, em agosto a todavia lança Trânsito, o segundo volume da trilogia que consagrou Rachel Cusk, e também o aguardado A razão africana, do historiador Muryatan Barbosa, um apanhado consistente sobre a produção de intelectuais negros ao longo do século 20. Como escreve José Rivair Macedo na orelha do livro: "É uma obra de síntese, abrangente e sofisticada, escrita para ser lida por qualquer pessoa interessada na construção de um sistema intelectual original e inovador".

Para acompanhar as novidades da todavia, procure a gente nas mídias sociais e inscreva-se nas nossas newsletters acessando o site da editora, todavialivros.com.br.

Assinantes da Quatro Cinco Um têm 20% de desconto para compras no site da editora.

451 MHz — Ouvintes entusiastas

Se você gosta de ouvir o nosso podcast, a gente criou para você um plano especial de assinatura, o plano Ouvinte entusiasta. Isso mesmo. Igual ao Assinante Entusiasta da nossa edição impressa, você pode passar a nos ajudar a realizar o 451 MHz com R$ 20 por mês. Basta fazer uma assinatura — o plano Ouvinte entusiasta está aqui no nosso site — e esses R$ 20 são cobrados todo mês no seu cartão de crédito. Você pode entrar agora e sair quando você quiser. Com esse valor, você nos ajuda e produzir o programa. Em troca, a gente dá acesso ao nosso site e a todos os conteúdos publicados pela Quatro Cinco Um desde a nossa primeira edição. Você também ganha o seu nome no expediente da revista e também aqui no podcast — isso mesmo, a gente vai ler aqui no ar o nome das pessoas que estão nos ajudando a manter o programa em pé. Vai lá e faz a sua assinatura do Ouvinte entusiasta!

Os ouvintes entusiastas desta edição são:

Marcia Adorno
Patrícia Carneiro de Brito
Lucas Carvalho
Murilo Carvalho
Cecilia Castellini
Camila Chaves
Gabriel Navarro Colasso
Walter Craveiro
Ana Carolina Lessa Dantas
Gustavo Dutra
Kelly de Souza Ferreira
Luiza Franco
Caroline Greve
Julia Guarilha
Mariah Guedes
Sandrine Ghys
Paula Juchem
Leila Lima
Rafael Moura
Gabriela Néspoli
Ligia Helena Sales Nunes
Valeria Wey Barbosa de Oliveira
Luísa Plastino
Leni Manzatti Rodrigues
Debora Sader
Bruno Santana
Juliano Machado dos Santos
Gustavo Sénéchal
Guilherme Sorgine
João Pedro de Souza
Tatiana Vargas
André Viana
Leonardo Vilella
Flávia Bezerra Tone Xavier
Luiza Martins Werneck
Thomaz Werneck

O 451 MHz é uma produção da Rádio Novelo para a Associação Quatro Cinco Um
Apresentação: Paulo Werneck
Direção: Paula Scarpin
Edição: Cláudia Holanda, Paula Scarpin e Vitor Hugo Brandalise
Produção: Clara Rellstab e Vitor Hugo Brandalise
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Finalização e mixagem: João Jabace
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Coordenação digital: Juliana Jaeger
Gravado com apoio técnico da Som de Cena (SP).
Para falar com a equipe: [email protected].br