Repertório 451 MHz,

Aborto, trauma e alívio

A pesquisadora Debora Diniz e a artista visual Aleta Valente conversam sobre os impactos do aborto na saúde física, mental e financeira das mulheres

27maio2022

Está no ar o 64º episódio do 451 MHz, o podcast da revista dos livros. Com as eleições brasileiras chegando, as recentes legislações latino-americanas e o possível anulamento do reconhecimento do aborto nos Estados Unidos, o tema volta com força. A pesquisadora Debora Diniz e a artista visual Aleta Valente conversam sobre os impactos do aborto na sociedade e na saúde física, mental e financeira das mulheres. O episódio contou com participação da escritora Natalia Timerman lendo trechos de O acontecimento, de Annie Ernaux.

Duas vezes por mês, trazemos entrevistas, debates e informações sobre os livros mais legais publicados no Brasil. O 451 MHz tem apoio dos Ouvintes Entusiastas. Seja um você também! O podcast tem ainda apoio do Grupo Editorial Record.

Acontece todos os dias

Como em todo ano de eleições, uma pauta que entra na agenda dos candidatos é o aborto. No Brasil, a interrupção da gravidez é crime, e não houve mudança desse cenário nos últimos anos. Mas outros países latino-americanos já mostraram avanços: a Argentina, por exemplo, passou a permitir o procedimento até a 14ª semana de gravidez. Isso foi em 2020. No início de 2022, foi descriminalizado o aborto na Colômbia, por uma decisão da Corte Constitucional do país: mulheres podem fazer a interrupção até a 24ª semana.

Por aqui, no nosso país, os dados são escassos. O Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, a Anis, junto com a Universidade de Brasília, divulgou uma pesquisa nacional em 2016. É um dos poucos e mais importantes levantamentos do Brasil. Ele mostra que há uma média de 1.300 mulheres abortando por dia. Esse cálculo foi feito a partir do dado de que 503 mil mulheres interromperam a gestação em 2015. 

A conclusão é relativamente simples: apesar de ser crime, o aborto acontece todos os dias. E mulheres morrem por causa disso. Mas a discussão sobre a descriminalização é complexa. 

Além das eleições brasileiras e das recentes legislações latino-americanas, o tema movimenta outros países. Os Estados Unidos tiveram o vazamento de um documento, ainda em rascunho, sugerindo a derrubada de uma decisão da década de 1970 que reconhece o direito ao aborto no país. O relatório mostrou os votos dos juízes da Suprema Corte. Com a derrubada desse precedente, conhecido como o caso Roe V. Wade, cada estado poderia editar leis a respeito do tema. A decisão, com a mudança ou não desses votos, ainda não foi divulgada.


Aleta Valente (Acervo pessoal)

Aleta Valente é artista visual e ativista. Ela faz autorretratos para afrontar estereótipos em torno da mulher, além de publicações com doses de humor e ironia. Ficou conhecida pela personagem "Ex-Miss-Febem", que também dá nome à sua página no Instagram. A inspiração do nome veio da música “Kátia Flávia”, de Fausto Fawcett. Em uma dessas performances, a artista aparece com uma camiseta com a estampa de um remédio de efeito abortivo. Em outra, aparece lambendo a própria axila, não depilada, no transporte público. A conta dela foi banida diversas vezes; seu conteúdo foi denunciado como impróprio. 

Mãe solo aos dezoito anos, em conversa ao 451 MHz, Valente fala sobre o lado não romântico e as limitações da maternidade, além das ameaças de morte e ataques que sofreu por meio das redes sociais. Valente foi finalista duas vezes do Prêmio Pipa, e também foi indicada ao Paul Huf Award em 2020. Hoje, ela está em uma residência artística  na Áustria e é representada pela galeria Gentil Carioca. 

Assim como Valente, a outra convidada do episódio também já foi alvo de ameaças. Em audiência no Supremo Tribunal Federal, em 2018, Debora Diniz falou sobre a descriminalização do aborto e passou a receber ameaças de morte. 


Debora Diniz (Julia Rodrigues/Divulgação)

Antropóloga, Debora Diniz é pesquisadora renomada na área de direitos reprodutivos e uma das maiores estudiosas brasileiras sobre o aborto. Ela também é professora da Faculdade de Direito da UnB, além de fundadora da Anis e pesquisadora visitante da Universidade Brown, nos Estados Unidos. No podcast, ela fala sobre o cenário norte-americano e de outros países, além das perspectivas das mulheres brasileiras, que são submetidas ao aborto clandestino.


Esperança feminista, de Débora Diniz e Ivone Gebara

Em março, Débora Diniz lançou, em coautoria com Ivone Gebara, o livro Esperança feminista, pela Rosa dos Tempos, do Grupo Editorial Record.


O acontecimento, de Annie Ernaux

No episódio, também aparecem trechos de O acontecimento, da escritora francesa Annie Ernaux, lançado este ano pela editora Fósforo, com tradução de Isadora de Araújo Pontes. No livro, ela narra a experiência de um aborto aos 23 anos. Quem emprestou a voz para encarnar as vivências de Ernaux foi a escritora e psiquiatra Natalia Timerman, autora de Copo vazio.

Mais na Quatro Cinco Um

O livro de Ernaux foi resenhado na coluna de Paulo Roberto Pires da edição 54:

Em O acontecimento, é o aborto clandestino que dá concretude a esse descompasso. Interromper a gravidez é uma das formas de afirmar, na prática, os valores da narradora. É o “não” possível, naquele momento, a tudo que acompanharia uma descendência indesejada: o prolongamento de uma relação casual, a perspectiva da vida familiar regida por valores que, nas vésperas das tempestades de maio de 1968, ainda pareciam incontornáveis — como ela mesmo relataria em alguns dos momentos mais duros de Os anos. 

O livro foi adaptado recentemente para os cinemas pela cineasta Audrey Diwan e ganhou vários prêmios.

Na edição 11, a escritora argentina Mariana Enriquez escreveu que sob a pressão de marchas de mulheres e de uma expressiva mobilização de escritoras, a Argentina debate a legalização do aborto.

Leia também sobre o caso da menina de dez anos que uniu ativistas e a sociedade para reivindicar o direito ao aborto legal.

O melhor da literatura LGBTI+

Neste episódio, o jornalista e editor-assistente digital na GQ Brasil Amauri Terto recomenda o livro As coisas (Record), de Tobias Carvalho, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura de 2018. Na obra estreante do autor gaúcho, é narrado o dia a dia dos homens gays, em suas vivências afetivas e sexuais. 


As coisas, de Tobias Carvalho

Ao longo de 2021, o quadro contou com o apoio do C6 Bank e reuniu catorze livros e dicas literárias LGBTI+ de colaboradores da Quatro Cinco Um. Veja a lista completa.

O 451 MHz é uma produção da Rádio Novelo e da Associação 451.
Apresentação: Paula Carvalho
Coordenação Geral: Évelin Argenta, Paula Scarpin e Vitor Hugo Brandalise
Produção: Gabriela Varella e Évelin Argenta
Edição: Évelin Argenta
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Finalização e mixagem: João Jabace
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Coordenação digital: Juliana Jaeger e FêCris Vasconcellos
Gravado com apoio técnico da Confraria de Sons & Charutos (SP).
Para falar com a equipe: [email protected]