Literatura,

Fichamento: Julián Fuks

O autor de “A ocupação” oferece estratégias de como ocupar uma terra sonâmbula

06dez2019

O escritor Julián Fuks, ganhador do Jabuti pelo romance A resistência, mostra em seu novo livro A ocupação (Companhia das Letras) – que tem suas páginas ocupadas por um mosaico de vozes que recusam ser caladas – como criar “uma literatura ocupada”.

O que é uma literatura ocupada? Uma literatura que não quer se esquivar do presente, não quer se esquivar da política, não quer esquecer tudo o que nos assola. Uma literatura que se faz rua, praça, prédio, escola, e que deixa que reverberem em suas páginas as muitas vozes que gritam pela cidade.

Ocupação é invasão, apropriação, integração? Ocupação é palavra aberta, ela própria se deixando ocupar por sentidos vários. Hoje, gosto de pensar, é ato político dos mais contundentes, o de tomar espaço com o próprio corpo e resistir, e impedir com compromisso máximo o avanço da barbárie.

Qual obra e/ou qual autor você gostaria de ocupar e por quê?  Se ocupar é ato transgressor, prefiro que outros autores me ocupem, transgredindo os meus hábitos mais cômodos e mesquinhos. Quero que me ocupem W. G. Sebald, Svetlana Aleksiévitch, Conceição Evaristo, e tantas outras vozes que admiro.

A vida “real” ocupa cada vez mais sua vida “fictícia”?  A vida real tomou posse da minha escrita e não parece disposta a ceder nenhum centímetro. Pôs a ficção ao seu serviço, tomando de empréstimo seus desvios e deslocamentos, seus pendores poéticos também. Na página já não sei bem a que força soberana eu sirvo. Fora da página, acho que ainda preservo alguma lucidez, afortunadamente.

A literatura é para gente ocupada ou desocupada? A literatura é para toda gente, foi-se o tempo em que se acreditava confinada em círculos restritos. É sobretudo para gente desocupada de preconceitos e certezas equívocas.

Como ocupar uma terra sonâmbula? Ocupá-la, essa é a vontade, com palavras que despertem, que interrompam o pesadelo que nos tiraniza. Se o pesadelo é feito de vociferações e sentenças brutas, que o corte para a vigília se dê com máxima sensibilidade e gentileza. 

E, por fim, o eu é um outro? O eu talvez almeje com toda força tornar-se outro, um outro em que ainda possa se reconhecer. Mas, se não chega a realizar a conversão, pode ao menos desejar a confluência: que os outros o ocupem, e que assim se multiplique em outros em seu próprio corpo.

Quem escreveu esse texto

Paula Carvalho

Jornalista e historiadora, é autora e organizadora de Direito à vagabundagem: as viagens de Isabelle Eberhardt (Fósforo).