Literatura,

A história se repete e o fascismo se renova, diz Fernando Rosas

Historiador português autor de ‘Salazar e os fascismos’ comenta a ascensão da extrema direita e as novas roupagens do autoritarismo

11out2023 | Edição #75

“Não há conquistas definitivas.” Foi assim, com altas doses de realismo, que o historiador Fernando Rosas pontuou sua conversa com o jornalista Pedro Dória na noite de terça-feira, 10, na Livraria da Travessa de Botafogo, no Rio de Janeiro, onde lançou seu Salazar e os fascismos: ensaio breve de história comparada, publicado pela Tinta-da-China Brasil, selo editorial da Associação Quatro Cinco Um. O professor, que chegou a ser preso durante o regime português, pediu desculpas pelo pessimismo, mas acredita que o mundo esteja regredindo. Prova disso, afirmou, é o avanço da extrema direita, do neoliberalismo radical e movimentos como o trumpismo, nos Estados Unidos, e o bolsonarismo no Brasil, que definiu como “um novo fascismo, com uma nova roupagem”.

O autor explica que, ainda que não exista um fascismo único, mas várias vertentes, há semelhanças que os unem e vêm se repetindo ao longo da história. “O conceito de fascismo é controverso, há quem diga que Salazar não era fascista, mas de modo geral ele seguiu o método comum a Mussolini ou Hitler, por exemplo”, disse. “O fascismo canônico é fruto de uma crise no capitalismo. A crise promove medo, insegurança e a noção de que o estado parlamentar não dá conta e é preciso uma resposta autoritária, ainda que com a ajuda de muita violência.”

Pedro Dória faz um paralelo com a ascensão de Bolsonaro em 2018, que surgiu em meio a uma crise econômica que atingiu em cheio a classe média, levando a uma perda significativa de poder aquisitivo. A insatisfação geral foi terreno fértil para o surgimento de uma figura que prometia organizar o país e trouxe consigo todos os elementos do movimento: resgate da autoestima, legitimação da violência, desprezo pelas minorias, culto às armas e conservadorismo. Para Rosas, é justamente essa mudança de status social o grande catalisador da insegurança e ressentimento das massas. “Essa perda tremenda é o que alimenta o medo, a raiva e a irracionalidade da resposta. É o que chamo do fascismo plebeu, o tal ‘Make America Great Again’. Daí que surge a figura do líder carismático”.


Pedro Dória e Fernando Rosas [Beatriz Damy]

Segundo o historiador, a grande diferença deste novo fascismo da extrema direita está na tática usada e, por isso, ainda não sabemos como vai acabar. “Existem coisas novas: o poder econômico, por exemplo. A nova extrema-direita caminha para o neoliberalismo radical. Eles são racistas, xenófobos, homofóbicos, contra os direitos das mulheres e nacionalistas, mas fingem que respeitam o parlamento. Ao mesmo tempo que querem esvaziá-lo, não apresentam seus planos imediatamente.”

O conceito de fascismo é controverso, há quem diga que Salazar não era fascista, mas de modo geral ele seguiu o método comum a Mussolini ou Hitler

Dória levanta a hipótese de o novo fascismo beber, ironicamente, em Gramsci, teórico marxista italiano, preso pelo regime fascista de Mussolini, que entendia que nenhuma batalha política venceria sem conquistar a hegemonia cultural. Para Rosas, é nesse ponto que a esquerda vem perdendo espaço, sem os meios e recursos para chegar a esse nível de influência. “É preciso muito dinheiro para furar essa bolha, a hegemonia do neoliberalismo se instaurou, eles apostam muito na guerra cultural. Como competir com um Steve Bannon [ex-assessor de Trump e espécie de guru da família Bolsonaro]?”, questionou. 

O historiador acredita estarmos vivendo uma espécie de macarthismo cultural, que tomou conta dos grandes meios de comunicação, financiados por grupos empresariais, nos quais seria impossível haver um pensamento crítico livre, um debate genuíno, com troca de ideias e pontos de vista diferentes. “É tudo propaganda ideológica. E isto, evidentemente, vai moldando a população. Felizmente não vemos tanto nas universidades”, acrescenta.

Guerra cultural

Entre os fatores que implicaram nos novos fascismos, Fernando Rosas aponta o papel das redes sociais, que vê como uma ferramenta determinante que mudou o jogo completamente nos últimos anos. “Existe uma guerra cultural que esconde seu programa político e as redes sociais são perfeitas para isso. As fábricas de fake news são uma coisa inédita, a extrema direita não têm escrúpulos, é impossível jogar o jogo deles sem abandonar a ética. Aquela pessoa ressentida em casa sozinha recebendo essa propaganda moldada tem um resultado altamente explosivo e a esquerda não sabe como lidar com isso, está perdida no mundo todo, infelizmente”, diz.


Fernando Rosas [Beatriz Damy]

A despeito das muitas críticas sobre o contexto atual, o autor de Salazar e os fascismos diz não ter uma visão pessimista do mundo, uma vez que a história é feita de retrocessos e avanços. “Para mim, o mais paradoxalmente desesperante é que tenho 77 anos e estou vendo aproximar-se do poder aqueles homens que me botaram na cadeia nos anos 60, como se o mundo tivesse voltado para trás. Estamos outra vez com a ameaça do fascismo, mas as coisas vão e voltam.”

Quem escreveu esse texto

Olívia Mendonça

Matéria publicada na edição impressa #75 em novembro de 2023.