Listão da Semana,

Simone Schwarz-Bart, Mia Couto e mais 12 lançamentos

Chega ao Brasil o romance ‘Chuva e vento sobre Télumée Milagre’, da franco-guadalupense Simone Schwarz-Bart

03ago2023 | Edição #72

Na sequência ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, celebrado em 25 de julho, chega às livrarias o romance da franco-guadalupense Simone Schwarz-Bart, uma das autoras mais importantes da literatura do Caribe, ao lado de nomes como o da escritora Maryse Condé, sua conterrânea, e do pensador martinicano Frantz Fanon. Na edição brasileira de Chuva e vento sobre Télumée Milagre, que vem com um ensaio de Itamar Vieira Junior, Schwarz-Bart honra sua genealogia literária e valoriza o papel histórico de suas ancestrais negras caribenhas. 

Chegam também às prateleiras uma coletânea de contos do moçambicano Mia Couto; uma fantasia alucinada criada a quatro mãos pelo quadrinista francês Moebius e o cineasta chileno-francês Alejandro Jodorowsky; papos reais sobre a maconha com Nelson Motta, Fernando Gabeira, Marcelo D2 e outros, compilados por Bruno Levison; o romance de estreia do neto de Gabriel García Márquez, o escritor e roteirista Mateo García Elizondo; um ensaio sobre a retórica do ódio do bolsonarismo, de João Cezar de Castro Rocha; um romance que visita os museus europeus, de Mark Haber; uma biografia de Elza Soares para o público infantojuvenil escrita por Nina Rizzi. Completam a selecão novidades quentinhas, como a biografia dos Secos & Molhados, um romance premiado de Natalia Ginzburg e mais. Boa semana!

Viva o livro brasileiro!

Chuva e vento sobre Télumée Milagre. Simone Schwarz-Bart.
Trad. Monica Stahel • Carambaia • 288 pp • R$ 107,91/79,90

Publicado em 1972 pela escritora franco-guadalupense — condecorada como Dama das Artes e das Letras pelo governo francês e vencedora do Prix Carbet de la Caraïbe et du Tout-Monde — é considerado uma das obras-primas da literatura caribenha. A protagonista do romance, Télumée Loungador, é uma mulher negra determinada, que narra a história de quatro gerações de mulheres fortes e corajosas, que sobrevivem a uma série interminável de adversidades. Como ensina a avó da protagonista, “atrás de uma dor há outra dor, a miséria é uma onda sem fim, mas o cavalo não deve te conduzir, é você que deve conduzir o cavalo”.

Leia também: Os escritos de Suzanne Césaire permitiram que uma identidade negro-caribenha e anticolonial surgisse na literatura

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As pequenas doenças da eternidade. Mia Couto.
Companhia das Letras • 176 pp • R$ 64,90

Coletânea com alguns dos contos publicados pelo escritor moçambicano na revista portuguesa Visão que têm como pano de fundo as feridas da condição humana: a morte, a dor, o medo e a indiferença. Os contos trazem um velho que recebe em casa um enfermeiro mascarado encarregado de rastrear a Covid-19, que é confundido com um ladrão desajeitado; um jovem que regressa para sua aldeia, mas não é reconhecido; uma mulher que aguarda a volta do marido; um parto em uma casa destruída usada como refúgio para famílias tentando escapar de ataques terroristas e outros destinos da humanidade.

Trecho do conto "A fumadora de estrelas"
Naquela noite dormimos todos de pé, apertados uns contra os outros, por entre as quatro paredes do edifício da administração. Edifício é um modo de dizer: um espaço vazio, sem teto, sem portas nem janelas. As paredes, todas esfarrapadas, eram o que restava da única casa de alvenaria da nossa aldeia. Ali nos refugiámos, as famílias todas de Kalimbué, tentando escapar a mais um ataque dos terroristas.
 
Na minha língua, “aldeia” e “família” dizem-se da mesma maneira. Mas agora tínhamos outro nome: éramos os “sobreviventes”. Não havia casa que não estivesse de luto, não havia chão que não estivesse manchado de cinzas e sangue. E as estrelas eram buracos de bala num manto escuro. 

Durante toda a noite, a minha cama foram quatro pessoas: Abudo, à esquerda, ressonava mesmo antes de adormecer. Halima, à direita, apoiada numa enxada, engolia o vasto peito em soluços e suspiros. À minha frente, Esmeraldino rezava ininterruptamente. Atrás de mim, Jonito não parava de ajeitar o cofió, apoiando-se ora numa perna ora na outra. E eu, no centro, adormecia apenas da cintura para cima. O meu sono estava deitado de pé como água num poço.

Leia também: O escritor moçambicano Mia Couto fala sobre a necessidade do esquecimento e o papel da literatura na conciliação com o passado

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A louca do Sagrado Coração. Alejandro Jodorowsky e Moebius. 
Trad. Letícia de Castro e Rogério de Campos • Veneta • 200 pp • R$ 99,90

Uma colaboração alucinada entre o cineasta, poeta e “mago” chileno Jodorowsky e Moebius (1938-2012), grande nome da HQ francesa, que inspirou o visual de filmes como Alien (1979) e Blade runner (1982), de Ridley Scott. Conta a história de um respeitável professor da Sorbonne que, em meio a uma patética crise conjugal, é seduzido por uma aluna religiosa. Imbuída da crença de que tem uma missão bíblica a cumprir (gerar um novo João Batista), ela envolve o mestre numa série de experiências místicas sobre o poder do sangue de Jesus, em uma viagem que vai de Paris à selva amazônica.

Leia também: Adaptação fracassada do livro Duna para o cinema deu origem a um dos maiores clássicos dos quadrinhos de ficção científica — Incal, de Alejandro Jodorowsky e Moebius

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Baseado em papos reais: maconha. Bruno Levinson.
Tao/Blucher • 266 pp • R$ 59

Autor da biografia Vamos fazer barulho: uma radiografia de Marcelo D2 (2007), o escritor, roteirista e produtor cultural discute o consumo da maconha com vinte pessoas de diferentes áreas: os jornalistas Nelson Motta e Fernando Gabeira, o professor Henrique Carneiro, o delegado Orlando Zaccone, a ex-juíza Maria Lucia Karam, o promotor Marcos Kac, os músicos Marcelo D2 e MV Bill; a advogada Margarete Brito e o ativista William Lantelme, entre outros.

Leia também: Livro destaca o embasamento científico, a legitimidade cultural e a aceitação social da maconha para além do que diz o governo

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Um encontro com a Lady. Mateo García Elizondo.
Trad. Ivone Benedetti • Record • 208 pp • R$ 69,90

Considerado um dos melhores jovens escritores em língua espanhola pela revista Granta, neto de Gabriel García Márquez e roteirista de filmes como Deserto, de 2017 (dirigido por Jonás Cuarón e protagonizado por Gael García Bernal), Elizondo estreou no romance com este livro, que ganhou em 2019 o prêmio Ciutat de Barcelona. Na história, descreve um viciado em heroína que, após a morte da sua mulher e de seu cachorro, viaja para um povoado deserto com 3 mil pesos e o que lhe resta de entorpecente com a intenção de morrer. Ali encontra figuras perturbadoras e fantasmas de amigos do passado. 

Leia também: 25 anos de solidão — O desgaste de um casamento é o tema do único texto para teatro de Gabriel García Márquez

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Bolsonarismo: da guerra cultural ao terrorismo doméstico: retórica do ódio e dissonância cognitiva coletiva. João Cezar de Castro Rocha.
Autêntica • 192 pp • R$ 54,90

Uma radiografia das origens da crise da democracia e o avanço da extrema direita: o ressentimento que impulsiona a guerra cultural promovida pelo bolsonarismo, a dinâmica psíquica dos grupos radicais, a realidade paralela construída pelas redes sociais, a retórica do ódio e o analfabetismo ideológico: “A extrema direita não será derrotada exclusivamente no plano político, só será possível superar seu projeto apocalíptico no plano mais abrangente e generoso da pólis”, escreve autor, historiador e professor de literatura comparada na UERJ. 

Leia também: Livro discute a raiz reacionária do bolsonarismo e sua permanência na política brasileira

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O abismo de São Sebastião. Mark Haber.
Trad. Fábio Bonillo • DBA • 192 pp • R$ 65,90

O autor de O jardim de Reinhardt, indicado ao PEN/Hemingway Award em 2020, leva o leitor a visitar os museus europeus neste novo romance em que um crítico de arte americano viaja para Berlim para visitar em seu leito de morte um colega alemão. Os dois críticos são grandes admiradores do pintor renascentista Hugo Beckenbauer – do qual quase todos os quadros se perderam em um incêndio em 1625, com exceção da impressionante obra-prima O abismo de São Sebastião e de duas telas que, paradoxalmente, são bem medíocres.

Leia também: Historiador da arte traça a influência dos literatos humanistas nas telas dos principais pintores do Renascimento

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Elza: a voz do milênio. Nina Rizzi.
Ils. Edson Ikê • VR Editora • 48 pp • R$ 74,90 

Poeta, historiadora e escritora, Rizzi já traduziu os livros infantojuvenis de bell hooks e escreveu, para esse público, a biografia da cantora norte-americana Nina Simone e o poema ilustrado A melhor mãe do mundo (Companhia das Letrinhas, 2022). Neste novo livro ilustrado para crianças, ela conta a dramática história de Elza Soares, considerada a melhor cantora do milênio pela Rádio BBC de Londres, e morta em 2022, aos 91 anos.

Leia tambémBiografia de Nina Simone para crianças acompanha sua trajetória de cantora prodígio da igreja a mulher-rebelião

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Vapt-vupt
+ novidades quentinhas

Sementes de poder. Amalia Leguizamón.
Trad. Gabriela Moncau • Elefante • 288 pp • R$ 55

A socióloga argentina expõe a destruição social e ambiental causada pelo agronegócio (soja, milho) e o modo como ele se tornou politicamente hegemônico. 

Não há castigo maior do que um amor que dure para sempre. Marco Severo.
Moinhos • 174 pp • R$ 65

Nova coletânea de contos do autor de Cada forma de ausência é o retrato de uma solidão (2017) e  O silêncio daqueles que vencem as guerras (2021). 

Religiões africanas: Uma brevíssima introdução. Jacob K. Olupona.
Trad. Fábio Roberto Lucas • Vozes • 192 pp • R$ 68

Amplo painel das religiões africanas, que examina os mitos e divindades, as práticas cerimoniais e seus agentes (sacerdotes, bruxos, mágicos curandeiros).

Primavera nos dentes: a história do Secos & Molhados – Ditadura, censura e sedição. Miguel de Almeida.
Record • 432 pp • R$ 79,90

Edição ampliada da biografia da icônica banda formada por Ney Matogrosso, João Ricardo e Gérson Conrad nos anos de chumbo da ditadura militar.

Todos os nossos ontens. Natalia Ginzburg.
Trad. Maria Betânia Amoroso • Companhia das Letras • 328 pp • R$ 89,90

Publicado em 1952, este romance ganhador do prêmio Veillon narra a história de duas famílias que sobrevivem às dores e à violência do fascismo.

Colhendo flores sob incêndios: os diários de Alice Walker: 1965-2000. Alice Walker.
Trad. Nina Rizzi • Org. Valerie Boyd • Rosa dos Tempos • 528 pp • R$ 149,90

Trechos dos diários da autora de A cor púrpura narrando sua militância antirracista, seu casamento com um judeu e os prêmios e ataques que recebeu por suas obras e seu ativismo.

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Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34).

Mauricio Puls

É autor de Arquitetura e filosofia (Annablume) e O significado da pintura abstrata (Perspectiva), e editor-assistente da Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #72 em julho de 2023.