Festival literário,
FliMUJ 2023 coloca a construção da memória em debate
Autoras e autores discutem lembrança, esquecimento e identidade na segunda edição do Festival Literário do Museu Judaico de São Paulo
06nov2023A ideia de que as melhores conversas partem de indagações, uma tônica da primeira edição do Festival Literário do Museu Judaico de São Paulo, em 2022, persiste na edição deste ano, que acontece de 30 de novembro a 3 de dezembro e terá almanaque e cobertura especial da Quatro Cinco Um.
Desta vez, as questões surgem de uma pergunta-mãe: “E se eu me esquecer de ti?”. A indagação, escolhida como título do FliMUJ de 2023, é um trecho do Salmo 137, atribuído na tradição judaica ao profeta Jeremias. É também um estímulo à imaginação e um convite à reflexão, afinal, respondê-la implica considerar as consequências do esquecimento e o papel da memória.
“A memória é um direito das pessoas, mas precisamos discutir a maneira como a memória é construída e o direito ao esquecimento”, diz o cientista social Daniel Douek, que divide a curadoria desta edição do festival com a editora e crítica literária Rita Palmeira.
Para debater como lembrança e esquecimento reverberam em livros e ideias na atualidade, o FliMUJ de 2023 programou doze mesas com 21 autores, pensadores e artistas do Brasil e do exterior.
Mais Lidas
A lista tem nomes familiares do público literário brasileiro, como os escritores Bianca Santana, Bernardo Kucinski, Cíntia Moscovich e Michel Laub; o psicanalista Christian Dunker; o historiador Marcos Guterman; e os professores João Cezar de Castro Rocha e Michel Gherman. E ainda a jornalista Betina Anton, que estreia este ano na não ficção, a autora e educadora indígena Márcia Mura, a cineasta Flavia Castro, a atriz Clarice Niskier e a cantora Assucena.
A maioria dos convidados internacionais é de autores com livros recém-publicados no país. É o caso do escritor, humorista e apresentador de TV inglês David Baddiel, autor de Judeus não contam (Avis Rara) e do filósofo americano Lewis Gordon, de Medo da consciência negra (Todavia). E também da escritora francesa Colombe Schneck, que este ano lançou no Brasil seu Dezessete anos (Relicário), e da peruana Gabriela Wiener, que publicou Exploração (Todavia).
Completam a lista o escritor e pesquisador israelense Iddo Gefen, que catalogou sonhos de moradores das fronteiras entre Cisjordânia, Gaza e Israel, a autora russa radicada na Alemanha Lena Gorelik e a poeta suíça Prisca Agustoni, que há vinte anos vive no Brasil e está na lista de semifinalistas do Prêmio Oceanos de 2023 com O gosto amargo dos metais (7Letras).
História
Os debates desta edição do FliMUJ começam com a pergunta-tema “Quem se lembra dos judeus?”, nome da mesa inaugural do festival. A questão alude ao esquecimento do antissemitismo como discriminação equiparável ao racismo ou à homofobia, tese defendida por David Baddiel em Judeus não contam. O humorista e escritor inglês fala na quinta-feira, 30 de novembro, às 19h, sobre esse assunto e sua ressonância depois dos conflitos recentes na Faixa de Gaza.
Ligações entre memória, a imagem social dos judeus e conexões com a negritude também estarão em discussão. Na sexta-feira, 1º de dezembro, a psicóloga e ativista do movimento negro Cida Bendo, autora de O pacto da branquitude (Companhia das Letras), conversa sobre o assunto com o historiador Michel Gherman, que em 2022 publicou O não judeu judeu: a tentativa de colonização do judaísmo pelo bolsonarismo (Fósforo). O encontro será às 16h, na mesa “Judeu é branco?”.
Já o encontro do historiador Marcos Guterman com a jornalista Betina Anton — que em novembro publica pela Todavia Baviera tropical, sobre o exílio do médico nazista Josef Mengele no Brasil — vai tratar de novas descobertas a respeito de oficiais nazistas e da memória sobre o nazismo no país. Eles estarão na mesa “A Baviera é aqui?”, no sábado, 2 de dezembro, às 16h.
Em seguida, na mesa “Pode alguém escapar sozinho?”, o professor americano afro-judeu Lewis Gordon discute o antirracismo sem esquecer questões como gênero, classe social, nacionalidade, política e religião.
Também no sábado, o FliMUJ ainda terá uma conversa sobre a elaboração de narrativas que dialogam com grandes tragédias históricas. Na mesa “Você acha que alguém como você pode escrever sobre a Shoah?”, a francesa Colombe Schneck e o gaúcho Michel Laub analisam a dimensão ética da escrita sobre barbáries não testemunhadas por autores contemporâneos, caso do Holocausto.
Identidade
O papel da memória na gênese do pensamento sobre a própria subjetividade também será campo para debates e reflexões durante o festival, em sintonia com a série de lançamentos dos últimos anos sobre o tema da construção de identidade.
Essa construção por vezes parte de relações familiares, como em Meu pai e o fim dos judeus da Bessarábia (Perspectiva). No romance, Jacques Fux, em coautoria com o pai, Samuel, recria a história de sua família paterna e reflete sobre a identidade judaica — no FliMUJ, ele explora o tema com Cíntia Moscovich na sexta-feira, 1º de dezembro, às 18h.
Uma investigação sobre antepassados também conduz a busca de Gabriela Wiener por uma revisão da sua própria identidade em Exploração, que parte da imagem de ilustre explorador construída por seu tataravô paterno, o austríaco Charles Wiener (1851-1913). A peruana fala sobre o assunto da mesa “Meu outro retrato?”, também na sexta, às 20h.
Outra tendência recente abordada no festival é a busca da identidade em paralelo a questões raciais. Relançado em 2023 pela Fósforo, Quando me descobri negra, de Bianca Santana, investiga essa conexão. A jornalista e escritora se reúne com a autora e educadora indígena Márcia Mura, de Tecendo memórias do povo mura e outros parentes (Pachamama), e a atriz Clarice Niskier, que se define como “budista-judia”, para falar de caminhos que levam à descoberta da identidade no sábado, 2 de dezembro, às 14h.
A relação entre memória e identidade ainda é permeada por tensões sociais e políticas, como as existentes sob regimes autoritários. Esquecer, nesses casos, pode ser um direito? E quais os riscos da desmemória na elaboração da identidade? Essas e outras questões, como os modos de narrar a memória da ditadura, serão discutidas por Bernardo Kucinski, autor do recente O congresso dos desaparecidos (Alameda), e pela cineasta Flavia Castro, diretora do longa Deslembro, no domingo, 3 de dezembro, às 11h.
O último dia do FliMUJ terá ainda o encontro de Lena Gorelik com Prisca Agustoni na mesa “Para onde foi a minha casa?”, às 14h. As autoras imigrantes vão falar de exílio, deslocamento e da influência dessas experiências em suas obras. A mesa seguinte, às 16h, traz uma pergunta hoje imprescindível. O psicanalista Christian Dunker, que lançou recentemente Lutos finitos e infinitos (Paidós), e o pesquisador de neurocognição israelense Iddo Gefen tentam responder: “Ainda dá para sonhar?”.
O encerramento, no domingo (3), às 18h, será com as cantoras Assucena e Fortuna, na mesa “Se eu falar, vocês escutam?”. Elas discutem memória, gênero, raça e imigração a partir da peça Mata teu pai: ópera-balada, de Grace Passô, na qual Assucena interpretou Medeia.
Programação FliMUJ 2023
De 30 de novembro a 3 de dezembro de 2023, no Museu Judaico de SP
Quinta, dia 30 de novembro
Abertura (18h): E se eu me esquecer de ti?, com Felipe Arruda (diretor executivo do MUJ), Daniel Douek e Rita Palmeira
Mesa 1 (19h): Quem se lembra dos judeus?, com David Baddiel
Sexta, dia 1º de dezembro
Mesa 2 (16h): Judeu é branco?, com Cida Bento e Michel Gherman
Mesa 3 (18h): Bom, agora a gente pode começar?, com Cíntia Moscovich e Jacques Fux
Mesa 4 (20h): Meu outro retrato?, com Gabriela Wiener
Sábado, dia 2 de dezembro
Mesa 5 (11h): Você acha que alguém como você pode escrever sobre a Shoah?, com Colombe Schneck e Michel Laub
Mesa 6 (14h): Quando foi que me descobri?, com Bianca Santana, Clarice Niskier e Márcia Mura
Mesa 7 (16h): A Baviera é aqui?, com Betina Anton e Marcos Guterman
Mesa 8 (18h): Pode alguém escapar sozinho?, com Lewis Gordon
Domingo, dia 3 de dezembro
Mesa 9 (11h): Quem é que pode deslembrar?, com Bernardo Kucinski e Flavia Castro
Mesa 10 (14h): Para onde foi a minha casa?, com Lena Gorelik e Prisca Agustoni
Mesa 11 (16h): Ainda dá para sonhar?, com Christian Dunker e Iddo Gefen
Mesa 12 (18h): Se eu falar, vocês escutam?, com Assucena e Fortuna
Porque você leu Festival literário
Mesa extra traz debate sobre queimadas para a Flip
Ativista indígena Txai Suruí e ambientalista e escritor Pablo Casella conversam sobre desastres climáticos na noite de sábado
OUTUBRO, 2024