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A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras

MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

Vera Iaconelli e Anna Virginia Balloussier (Camila Almeida)

A FEIRA DO LIVRO 2025,

Vera Iaconelli vai de analista a analisada em novo livro de memórias e teoria psicanalítica

Psicanalista disse que escreveu Análise, discutido em mesa com Anna Virginia Balloussier, para ‘lidar com o resíduo do inconsciente’

20jun2025

Não tinha uma única cadeira vaga na manhã desta sexta-feira (20) na plateia do Tablado Mário de Andrade, que parou para ouvir o que Vera Iaconelli tinha a dizer: desta vez como analisada, e não analista. Em uma mesa com a jornalista Anna Virginia Balloussier, Iaconelli falou sobre seu recém-lançado Ánalise (Zahar), que perpassa suas memórias pessoais e histórias familiares ao mesmo tempo em que questiona o papel e os limites da psicanálise.

À medida que ouviam a voz de Iaconelli, mais pessoas se aproximavam para escutá-la em um relato bastante íntimo. “Meu pai não tinha uma amante, tinha outra família. Essa foi uma ficha que caiu só quando escrevi, mesmo depois de trinta anos no divã”, disse. 

A psicanalista também revelou que só sentiu a necessidade de escrever sobre sua intimidade familiar quando encerrou seu próprio processo analítico. “Acabou o dispositivo da análise para mim, mas sempre sobra o resíduo do inconsciente, e escrever seria bom para isso.”

Ela ainda falou sobre a expectativa de quem passou pela análise se tornar uma espécie de “Buda espiritualizado”, e que na prática ninguém se torna de fato “analisado”. “O dispositivo da análise, de alguém que me escuta, até termina. Mas analisar a própria existência não acaba nunca.”

Psicanálise contemporânea

A conversa avançou para as questões identitárias que interferem na clínica psicanalítica. “Não existe mais defender uma tese sem falar de interseccionalidade. Há dez anos eu não colocava na conta da análise que eu era uma mulher branca. Devemos lembrar sempre das nossas formas de opressão”, disse Iaconelli.

Ainda que acredite ter evoluído com as discussões sobre feminismo e antirracismo, a autora afirmou que um analista “nunca vai dar conta de tudo”. “É um dispositivo humano, que tem furos”, refletiu sobre a própria profissão.

Ela comentou também sobre a distância “ilusória” entre analista e paciente, assim como a ideia de cura que muitas vezes se busca no divã. “A análise não começa quando você marca a sessão, começa só quando a pessoa de fato se implica.” E reforçou a ideia de Freud sobre infelicidade ordinária. “A gente vai continuar sofrendo. Sem sofrimento não tem alegria, desejo, paixão. Como você ouve música se não tem silêncio? Precisamos do contraste”. 

Sofrimento e sintoma

A angústia, para Iaconelli, é o que movimenta alguém a procurar o consultório de um analista. Durante a mesa, ela leu o trecho inicial de Análise, no qual narra os motivos — que ela depois entendeu como falaciosos — pelos quais buscou a análise. Concluiu que, em última instância, “o sofrimento é vetor que faz com que a gente se debruce sobre as nossas questões”. 

Mesa Análise com Vera Iaconelli lota Tablado Literário Mário de Andrade (Camila Almeida)

Daí, segundo a psicanalista, vem a importância de enxergar sintomas que indicam a necessidade de buscar ajuda: hábitos dos quais queremos nos livrar e não conseguimos, por exemplo, são sinais de que algo não vai bem na nossa saúde psíquica. Às vezes, exemplificou, uma depressão é um aviso de que um emprego não é mais sustentável, embora a pessoa insista em mantê-lo. “Os mecanismos que a gente usa para se escutar são sofridos”, alertou.

Se deitar no divã já é difícil, escrever sobre isso não foi mais simples para Iaconelli. Ainda mais porque o inconsciente, afirmou, caminha “na contramão do que queremos contar para o mundo”. Mas a autora seguiu adiante, e o resultado, embora escrito por uma psicanalista, “foi um texto literário, porque não tinha outro jeito”, concluiu.

A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.

A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Manuela Stelzer