
A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras
MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM


A FEIRA DO LIVRO 2025, Editora 451,
Milly Lacombe e Mayra Cotta defendem feminismo que vá além de ocupar espaço dos homens
Escritoras reforçaram caráter coletivo da luta feminista e apontaram limitações da esquerda brasileira na defesa das mulheres
17jun2025Que feminismo estamos propondo? A escritora e jornalista Milly Lacombe preferiu responder à questão lançada pela mediadora Iara Biderman, na mesa Pensando bem, com a pergunta inversa. “O que a gente não propõe? Colocar mulheres em situação de poder para que elas façam as coisas como sempre foram feitas”, afirmou ela durante a calorosa conversa na fria noite desta segunda-feira (16), com a escritora e advogada Mayra Cotta.
“A gente chama esse feminismo de liberal. ‘Eu fui oprimida a vida inteira e agora quero ter o direito de oprimir’. Não funciona. Se a gente não chegar a espaços de poder para mudar a estrutura, não vai funcionar.”

Cotta logo trouxe à mesa palavras que considera indissociáveis do debate feminista: revolução e luta de classes. “Feminismo tem que ser comprometido com a luta de classes, é essa dimensão que estrutura as opressões e os privilégios na nossa sociedade. Não é uma disputa por ocupar lugares que hoje são ocupados por homens.”
Lacombe, que escreveu Feminismo para não feministas (Planeta, 2024) e O ano em que morri em Nova York (Planeta, 2023) lembrou ainda que “outro feminismo que a gente não quer é o feminismo que diz ser mulher contra homem”. “O machismo e a misoginia são estruturas de poder que aprisionam todo mundo, o machismo e a misoginia fazem muito mal aos homens. Quando entendemos o que é o feminismo, entendemos que a emancipação é para todo mundo.”
Ambas apontaram limitações e contradições da esquerda brasileira na defesa das mulheres, como os recuos na defesa da legalização do aborto e a não indicação pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal (STF) nas duas oportunidades que teve neste mandato.
“Um governo que se recusa a falar de aborto não é um governo que vai nos representar”, afirmou Lacombe, que emendou: “As feministas não ganham nem quando a gente ganha. Eu me esgoelei pelo Lula [na eleição de 2022] e vou me esgoelar de novo, se a alternativa for o fascismo. Mas acho muito pouco que a gente tenha que escolher entre o machista fascista e o machista que a gente gosta porque é fofo e corintiano”.
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“Já ouvi em campanhas de partidos de esquerda coisas do tipo ‘não podemos falar de gênero, porque isso faz perder a eleição’”, disse Cotta, autora de Mulher, roupa, trabalho: como se veste a desigualdade de gênero (2021), em coautoria com Thais Farage, e o romance sobre assédio no trabalho Um ex-amigo (2023), ambos pelo selo Paralela, da Companhia das Letras. “Achei que o que fazia perder eleição era não enfrentar o fascismo. E uma das principais tecnologias de mobilização do fascismo, hoje, é o ódio às mulheres.”
Para a advogada, a esquerda errou ao não aproveitar os altos índices de popularidade de Lula ao final do segundo mandato para pressionar pela legalização do aborto. “Toda vez que a gente abre mão de deflagrar o conflito nos nossos termos, o conflito é deflagrado pelo inimigo nos termos dele. Hoje a gente corre o risco de ser derrotada no Congresso pelo direito de fazer o aborto em casos de estupro, reconhecido desde 1942.”
Nomes
Lacombe criticou também terminologias como “sociedade inclusiva” e “inclusão”. “A gente quer incluir as pessoas nesta merda? Ou a gente quer mudar isso? Então talvez ‘incluir’ não seja a palavra que a gente deva continuar usando. Temos que usar ‘revolução’ e falar de aborto sem vergonha nenhuma. Mas temos uma esquerda que não consegue fazer essas coisas.”
Cotta citou a antropóloga argentina Rita Segato ao falar da importância de nomear as violências. “Esse exercício é fundamental. Um dos grandes avanços da Lei Maria da Penha foi nomear a violência psicológica, a violência econômica.” Ela explicou que o termo “violência doméstica” data de 1968, enquanto “assédio sexual” apareceu pela primeira vez em 1986. “É claro que antes disso as mulheres passavam por essas situações, não surgiu ali.”
“Nomear é muito importante até nas pequenas coisas, nas microviolências”, acrescentou Lacombe. “Manterrupting, por exemplo. Foi bom que a gente soubesse o que é isso, porque não nos dávamos conta de como somos interrompidas.”
A conversa foi pontuada por momentos de aplausos e risadas do público, mas um deles foi mais efusivo. Quando falava sobre a incômoda situação de viajar ao lado de um homem que não sabe respeitar o espaço alheio, Lacombe deu a seguinte dica: “Peguem a fileira que tem o número 24, nenhum homem pega essa. A masculinidade é tão frágil que não tem erro”.
A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.
A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.
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