A Feira do Livro,

Pablo Katchadjian fala de sua literatura inclassificável: “Tento evitar o que os autores colocam como regra”

Argentino autor de ‘O que fazer’ e ‘A liberdade total’ dialoga sobre influências e processo de escrita com Joca Reiners Terron

11jun2023 | Edição #70

Um diálogo conceitual entre A e B, em que os personagens discutem a existência da liberdade, deu início à mesa A liberdade total, mesmo título do romance de Pablo Katchadjian, neste domingo, 11, n’A Feira do Livro. Em conversa com o autor, o escritor Joca Reiners Terron encarnou A, enquanto Katchadjian fez B, ilustrando ao vivo um pouco da literatura inclassificável do argentino, em que não há narradores, personagens ou cenários muito bem definidos.

“Para mim, a terceira pessoa é um problema. Em geral, tento tomar distância”, disse Katchadjian, questionado sobre a morte desse tipo de narrador na literatura. Tento evitar qualquer coisa que os autores colocam como regras.”

Em A liberdade total (DBA), romance em que os diálogos entre os personagens organizam toda a narrativa, descobre-se depois que A e B estão presos e discutem a liberdade porque C, uma espécie de carcereiro, mandou que o fizessem. O jogo com o absurdo e o teatral fez com que a história fosse comparada a alguns clássicos do teatro, como Esperando Godot, de Samuel Beckett. Segundo o autor, no entanto, as similaridades foram fruto do acaso.

“Não me dei conta quando escrevi. Quando terminei o livro, estava olhando cartazes de estreias de teatro e percebi que fiz uma citação involuntária [a Beckett]”. Segundo Katchadjian, a história surgiu depois de ler a frase “A liberdade total não existe” e anotá-la no seu computador.

O autor disse gostar muito dos diálogos de Platão, em que as discussões conduzem a uma verdade. Mas não era esse seu interesse. A partir de um incômodo com a voz narrativa, quis imaginar um livro que não tivesse um narrador. Ou que, como afirmou, o narrador “fosse uma espécie de gravador, que registra as vozes, mas é mudo”.


Os escritores Pablo Katchadjian e Joca Reiners Terron [Divulgação]

Ópera e humor

Katchadjian também falou sobre a adaptação do romance para o teatro, em formato de ópera, feita na Argentina. Segundo ele, um compositor o procurou quando ele havia acabado de lançar o livro para trabalharem juntos na versão, mas a história inteira resultaria num espetáculo de sete ou oito horas.

Depois de muito trabalho, Katchadjian contou que os dois convidaram um diretor de teatro para ajudar na adaptação, mas ele dizia ser inviável transformar em uma ópera um livro que “não tinha qualquer tipo de descrição, com uma narrativa muito abstrata”. Depois de muita discussão, que quase descambou para briga, o espetáculo enfim estreou. “Foi uma experiência terrível, um problema enorme”, brincou, sob risos da plateia.

O autor de O que fazer, outro romance lançado no Brasil pela Relicário, também falou sobre o papel do humor em seus livros. “Não penso no humor quando escrevo, não penso em ser engraçado. Tenho medo de que, ao fazer rir [intencionalmente], bloqueie outro tipo de leitura”, disse, mas faz uma ressalva: “Me divirto quando escrevo. Se você escreve algo que te diverte, não necessariamente é comédia.”

Depois da conversa, Pablo Katchadjian autografou seus livros lançados no Brasil na tenda da livraria Dois Pontos.

A Feira do Livro acontece de 7 a 11 de junho na praça Charles Miller, no Pacaembu, em São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Amauri Arrais

É jornalista e editor da Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #70 em maio de 2023.