A Feira do Livro, Literatura,

Filha de Iansã lê poemas a Exu

A escritora Miriam Alves conversou com a poeta Stephanie Borges sobre literatura negra e erotismo

10jun2022 | Edição #58

Como sempre faz nos eventos dos quais participa, Miriam Alves colocou no Palco da Praça seu despacho: um pano vermelho, uma espada e seus livros. Em dado momento, o vento balançou o tecido vermelho, para sua alegria. “Epahey, minha mãe, pode ventar”, saudou a escritora, que é filha de Iansã.

Nesta sexta (10), ela conversou n’A Feira do Livro com a jornalista e poeta Stephanie Borges sobre literatura negra, erotismo e seus livros lançados recentemente: Poemas reunidos (Fósforo/Luna Parque), compilação de sua produção poética nos últimos quarenta anos, e Miriam Alves plural: teoria, ensaios críticos e depoimentos (Fósforo).

“Quando me convidaram para fazer a coletânea, primeiro disse não. Estou nessa história de literatura negra há quarenta anos, sei como muitas vezes capturam sua obra, seus poemas e sua história”, contou Alves. Sua preocupação era que tirassem suas referências de mulher negra neste país “que se chama cordial e sustentou o pior sistema de trabalho, que é a escravidão”.

Ela pôde colocar o que quis na coletânea, publicada do jeito que queria. Uma questão importante para Alves. Nos grupos de literatura negra, dos quais participa há décadas, contou que as discussões incluem tudo, “desde a iconografia que nos representa até as capas” e como a questão coletiva é decisiva. “Tudo o que a sociedade branca me negou, em termos de conhecimento e possibilidades, encontrei nos coletivos de escritoras e escritores negros.”

Alves falou também sobre o erotismo em seus poemas, assinados em seu nome ou sob o pseudônimo Zula Gibi. Erotismo, disse, é “escrever de um corpo normal, que é o seu, o meu” — e contou que foi ameaçada por um militante por ter escrito um conto lésbico há vinte anos. Para os brancos, o erótico vem de Eros; para Alves, vem de Exu.

Na conversa, Alves recitou seus poemas, um deles para Oxum, à pedido de Borges. Como costuma acontecer, suas performances poéticas foram pontos altos do encontro.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, é autora de Tantra e a arte de cortar cebolas (Editora 34).

Matéria publicada na edição impressa #58 em junho de 2022.