A Feira do Livro,

Correio-elegante dos editores

Editores recomendam livros de outros editores

10jun2022 | Edição #58

“Recomendo Samarcanda, do escritor líbano-francês Amin Maalouf, publicado pela editora Tabla, um romance histórico delicioso sobre as origens do famoso manuscrito do Rubaiyat, do poeta, matemático e astrônomo Omar Khayyam, escrito no século 11 e perdido para sempre no naufrágio do Titanic. Maalouf reconstrói o contexto histórico brilhantemente, mas o romance também impressiona pelos pontos de contato com os dias de hoje, que o escritor é habilidoso em apontar.”
Rita Mattar, editora da Fósforo.

“Alguns pesos pesados da literatura e do pensamento cultural brasileiros estão reunidos no volume Depois do fim, organizado por Fabiane Secches, lançado pela Instante. Sempre afinado com questões urgentes da contemporaneidade, o catálogo da editora de Silvio Testa ganha mais uma obra que nos ajuda a pensar o mundo atual. São treze ensaios que vão na jugular da ideologia neoliberal, trazendo a vida para o centro da discussão.”
Lizandra Magon de Almeida, editora da Jandaíra.

“Quero indicar O verão em que mamãe teve olhos verdes, de Tatiana Tibuleac, publicado pela Mundaréu. Forte, porém sem sentimentalismos, explora uma relação turbulenta entre mãe e filho. Ao longo da leitura, vamos acompanhando um processo de cura, de perdão, de um narrador irônico, com quem concordamos e discordamos a toda hora. E mais não vou falar para não estragar. O estilo da Tatiana me lembra uma mistura de J. D. Salinger com Dostoiévski.”
João Varella, editor da Lote 42.

“O pequeno livro Isso é prazer + A dificuldade de seguir as regras, de Mary Gaitskill, publicado pela Fósforo com tradução de Bruna Beber, condensa em uma centena de páginas uma série de provocações e temas espinhosos, forçando o leitor a encarar perspectivas pouco óbvias, por vezes incômodas, sobre temas como assédio sexual e estupro. Um livrinho corajoso, polêmico e, por isso, necessário. Para ler e continuar a conversa na mesa do bar. Ou no divã.”
Graziella Beting, editora da Carambaia.

“Escolho O homem do outdoor, livro da chilena María José Ferrada, que está saindo pela Moinhos. Ferrada é uma das autoras mais interessantes que li nos últimos tempos. Adorei sua primeira narrativa longa, Kramp, e estou ansioso pra ler este próximo, que já está aqui comigo.”
Gustavo Faraon, editor da Dublinense.

“Indicar um lançamento de outra editora não é tarefa das mais fáceis, porque as editoras brasileiras, principalmente as independentes, vêm fazendo um trabalho incrível, trazendo autoras e autores fundamentais de todos os cantos do mundo. Mas se é pra escolher, então vamos lá: Detalhe menor, da autora palestina Adania Shibli, publicado pela Todavia com tradução da fantástica Safa Jubran. O livro joga luz sobre o tema da ocupação da Palestina a partir de um episódio ocorrido com uma adolescente em 1949. É importante que o leitor brasileiro tenha contato com esse tema e com uma narrativa mais profunda e verdadeira sobre a ocupação. Adania é uma voz poderosa! A Todavia mandou bem demais!”
Laura Di Pietro, editora da Tabla.

“Recomendo Correio literário: ou como se tornar (ou não) um escritor, de Wisława Szymborska, publicado pela Âyiné. Humor e inteligência dão a tônica desse livro, que traz as respostas de Wisława às cartas de aspirantes a escritores que desejavam ser publicados no semanário Vida literária. Em vez de um simples “não” ou de respostas padronizadas, Wisława oferecia orientações bem-humoradas e ácidas sobre os textos enviados e fazia o que nós, editores de livros, muitas vezes não temos coragem de fazer.”
Maíra Nassif, editora da Relicário.

“Indico Tempo Final, de Maylis Besserie, da Nós, que venceu o prêmio Goncourt de 2020 (e só por isso já vale a leitura). Bem traduzida, a obra traz, como personagem principal, ninguém menos que Samuel Beckett. É preciso ter coragem para colocar tal personagem no centro do livro, e a autora não faz por menos, em frases raivosas, inteligentes, devastadoras que remetem ao que há de melhor na obra do irlandês, premiado com o Nobel em 1969. Uma leitura maravilhosa.”
Leonardo Garzaro, editor da Rua do Sabão.

“Indico O desejo dos outros: uma etnografia dos sonhos yanomami, de Hanna Limulja (Ubu), e Sonho manifesto, de Sidarta Ribeiro (Companhia das Letras). Fiquei fascinada com a relação dos Yanomami com seus sonhos. Como os leem e compreendem. E com a importância do compartilhamento de narrativas para a construção e o amadurecimento de laços, identidade e sociedade. Fomos tão treinados a um ceticismo e uma suposta produtividade que deixamos de cuidar dos nossos sonhos. Como escreve Sidarta: ‘Praticando com delicadeza o sono, o sonho e a narrativa […] escaparemos sonhando do esgarçamento social’.”
Isabel Diegues, editora da Cobogó.

“Em Isso é prazer + a dificuldade de seguir as regras, de Mary Gaitskill (Fósforo), temos o urgente tema do assédio tanto pelo prisma ficcional quanto pelo da não ficção, cada qual com sua linguagem e forma de desvelamento de narrativa.”
Roberto Jannarelli, editor da Antofágica.

“Fico muito feliz que os brasileiros estão descobrindo a obra de Mark Fisher através da Autonomia Literária. Fantasmas da minha vida mostra a relação próxima entre a atual epidemia de depressão e ansiedade e a nossa vida cotidiana no capitalismo tardio.”
Antônio Xerxenesky, editor da dba Literatura.

“Szymborska costumava dizer que era avessa às datas redondas e efemérides. Eu, como editor, adoraria ter uma efeméride para lançar um livro em tempos de vacas que nunca foram gordas. Mas o leitor avesso ou não às efemérides deveria largar as mesóclises e os fatos bolorentos lançados por aí neste ano e ler Lira mensageira, da Todavia, uma reunião de ensaios do sociólogo Sergio Miceli que fez até um mineiro se interessar pela Semana de 22.”
Pedro Fonseca, editor da Âyiné.

“Classificado como ‘infantojuvenil’, Uma boneca para Menitinha, de Penélope Martins e Tiago de Melo Andrade (Caixote), é um lindo conto sobre a simples complexidade da vida — simples, como os afetos, os laços, o dia a dia de uma família na roça; complexo, também como os afetos, os laços que nos unem e que desatam, quando morre a avó de Menitinha. Quem morre, mesmo levando consigo muitas histórias, deixa também histórias que continuam vivas em quem fica.”
Maria Amelia, editora da Amelì.

“Sempre gostei do desconhecido. Das obras que foram publicadas no Brasil e nunca tiveram o palco que mereciam, e das de grandes nomes que já estão pelo mundo, mas que nunca chegaram até o nosso mercado. Por isso, indico Obras completas (e outros contos), de Augusto Monterroso (Mundaréu). Além das fábulas, alegorias e contos fantásticos que criou, o autor ainda brinca conosco com um título que, terminada a leitura, nos faz rir.”
Nathan Matos, editor da Moinhos.

Recomendo a peça O deus da carnificina, da francesa Yasmina Reza, lançada pela Âyiné. A primeira vez que tomei contato com o texto foi na adaptação que Roman Polanski fez para o cinema. Agora, na tradução, pude revisitar os diálogos tão bons e amargos. Com grandes doses de humor e ainda maiores de niilismo, a obra escancara o que está por trás do finíssimo verniz da civilidade e da cultura na burguesia contemporânea.”
Fabiano Curi, editor da Carambaia.

cobertura d’A Feira do Livro

Matéria publicada na edição impressa #58 em junho de 2022.