
A Feira do Livro,
Conrado Corsalette e Natalia Viana defendem regulação de redes e punição para crimes de militares
Jornalistas do Nexo e da Agência Pública apontam caminhos para a reconstrução da democracia n’A Feira do Livro
09jun2023 | Edição #70Em uma mesa para discutir a erosão da política brasileira e da democracia na última década, tema de seus livros, os jornalistas Conrado Corsalette, cofundador e editor-chefe do Nexo, e Natalia Viana, diretora-executiva da Agência Pública, defenderam a regulação das redes sociais e a punição de militares envolvidos em crimes – incluindo os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro – como caminhos para a reconstrução da democracia no país. A mediação ficou a cargo do jornalista e editor-chefe do Greg News, Denis Russo Burgierman.
Autora de Dano colateral (Objetiva), livro-reportagem que investiga a intervenção dos militares na segurança pública, Viana traçou uma cronologia da ascensão da classe na política — do assassinato do músico Evaldo Rosa com oitenta tiros por militares no Rio de Janeiro em 2019, ponto de partida da investigação, até os ataques de 8 de janeiro de 2023.
“Comecei a entender que a relação civil-militares era muito mais complexa do que eu achava e que, com o avanço das GLOs (operações de garantia da lei e da ordem, determinadas pelo presidente da República), os militares foram conquistando poder político”, disse a jornalista. “Ao mesmo tempo, Bolsonaro venceu as eleições e os militares deram um salto na política.”

A jornalista Natalia Viana [Divulgação]
Já Corsalette, que está lançando n’A Feira Uma crise chamada Brasil (Fósforo), que investiga e analisa os principais acontecimentos da última década, descreveu como a classe política não soube responder aos protestos de junho de 2013 — um reflexo da onda de movimentos que vinha varrendo várias regiões do mundo há uma década.
“A classe política se fecha e não consegue dar resposta às ruas. Quem dá essa resposta é a Lava Jato, que diz que o problema do Brasil é a corrupção, uma resposta pouco complexa, mas inteligível”, disse, citando o filósofo Marcos Nobre, um dos entrevistados do seu livro.

O jornalista Conrado Corsalette [Divulgação]
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Corsalette lembrou que, mesmo com o avanço da operação, em 2014 Dilma Rousseff foi reeleita, mas outros fatos da época, como o avanço das investigações contra políticos e uma grave crise econômica, fizeram com que parte da classe política resolvesse “cortar a mão para não perder o braço” — isto é, extirpar o governo para tentar se reorganizar.
Criminalização da política
Na esteira da Lava Jato, Natalia Viana lembrou como a imprensa embarcou na narrativa de que a República era corrupta, afirmação que, segundo ela, tem muito eco na visão dos militares. “Hoje em dia, a imprensa se olha no espelho e encara um desafio enorme de cobrir política com respeito, mas sem destruir a própria política.”
Corsalette lembrou a força das redes sociais nesse processo — das manifestações de junho de 2013 às campanhas de desinformação — e enfatizou que o caminho para a reconstrução da democracia passa pela regulação das redes, “uma batalha dificílima”, além do enfrentamento do monopólio das grandes empresas de tecnologia e uma educação midiática sobre o papel da imprensa.
“Como sociedade, temos que resgatar a importância da política. A alternativa à política é ditadura ou a guerra”, disse o jornalista. “Temos que resgatar a partir de consensos mínimos. E a partir daí construir a democracia nesses novos parâmetros digitais.”
A diretora-executiva da Agência Pública acrescentou que, para além do enfrentamento à concentração das grandes redes, é preciso repensar a forma de se fazer política. “Não dá mais para ter uma política de cima para baixo. Hoje, as pessoas querem e conseguem participar. O tio do zap é um cidadão participando”, ressaltou.
Impunidade
Ao responder a perguntas do público, os dois jornalistas retomaram a intervenção dos militares na política nos últimos anos. Natalia Viana lembrou que a tradição das forças militares é punir crimes contra a hierarquia, mas não contra civis. “O Exército é extremamente corporativo. Só vai ter resposta para [os atos de] 8 de janeiro se punirmos os militares”, disse.
Para Conrado Corsalette, parte do crescimento da extrema direita no país se deve à cooptação de dois setores da população que são “resgatáveis”: os militares e os evangélicos. “A esquerda tem uma dificuldade imensa de entender isso e dialogar com essas pessoas”, ressaltou.
O jornalista lembrou que o Brasil passa por uma transição religiosa: do país que tinha apenas 5% de fiéis evangélicos na década de 70 ao que terá metade da população nessa designação religiosa, em suas várias vertentes, até 2030, segundo estudiosos. “É preciso trazer essas pessoas de volta para o debate público”, disse.
Os ataques à democracia
No sábado, às 17h15, Conrado Corsalette vai mediar a Mesa O caminho da autocracia, com a participação dos pesquisadores do Laut (Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo) Fernando Romani Sales, Mariana Celano de Souza Amaral e Marina Slhessarenko Barreto, que vão discutir as estratégias extremistas para erodir as democracias.
A Feira do Livro acontece de 7 a 11 de junho na praça Charles Miller, no Pacaembu, em São Paulo.
Matéria publicada na edição impressa #70 em junho de 2023.
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