
A Feira do Livro,
Com convidados bem humorados, terceiro dia d’A Feira do Livro abordou da morte ao feminismo negro
Autores como Patricia Hill Collins, Jericho Brown e Antonio Bispo trataram de temas urgentes, mas sem perder a esperança
10jun2023 | Edição #70O terceiro dia d’A Feira do Livro recebeu conversas urgentes, mas também bem-humoradas, que passaram por temas bastante diversos: morte, literatura periférica, lutas quilombolas, erosão da política brasileira, audiolivros, feminismo negro e interseccionalidade, marco temporal, poesia e amor, racismo à brasileira e violência na literatura.
E a sexta-feira, 9, começou pelo fim, com uma conversa sobre a morte e a urgência de falar sobre ela. A escritora italiana Ginevra Lamberti ocupou o palco com a jornalista Camila Appel na mesa Vamos voltar a falar sobre morte, para celebrar o fato de a morte ser um tema bem-vindo em uma manhã de sol e céu azul, entre adultos e crianças, na praça pública. O tabu da morte é o tema de Por que começo do fim, romance da escritora italiana lançado pela Âyiné. Elas também falaram sobre como a morte pode nos aproximar como humanos e as dimensões políticas em torno desta — das questões individuais, como a autonomia da decisão sobre a morte, às coletivas, como a ocupação do território e impacto no meio-ambiente.
Na mesa Periferia e mercado editorial, os editores Esmeralda Ribeiro, Israel Neto e Vagner Amaro, a pesquisadora Trudruá Dorrico e o historiador Eleilson Leite debateram os desafios e as perspectivas para o futuro da literatura periférica brasileira. Segundo os convidados, uma das missões principais das editoras periféricas é conseguir alcançar mais espaços e restaurar as histórias e as vozes negras e indígenas. “A maioria enxerga as obras indígenas como exóticas, e não como se a literatura fosse algo presente no nosso cotidiano”, disse Trudruá.
Falando em pé para “ver todo mundo”, o pensador quilombola Antônio Bispo dos Santos comparou Jesus a Marx (“ambos concordam que trabalho é a base de tudo”), criticou Dilma Rousseff (“ela errou em não ter feito a Comissão da Verdade do Povo Preto”) e defendeu a contracolonização, dizendo que as manifestações e o corpo dos quilombolas foi criminalizada por décadas. Ele participou da mesa Da praça pública ao quilombo, mediada por Bianca Tavolari, professora, pesquisadora e colunista da Quatro Cinco Um.
Mais Lidas
Em uma mesa para discutir a erosão da política brasileira e da democracia na última década, tema de seus livros, os jornalistas Conrado Corsalette, cofundador e editor-chefe do Nexo, e Natalia Viana, diretora-executiva da Agência Pública, defenderam, na mesa A república quebrada, a regulação das redes sociais e a punição de militares envolvidos em crimes — incluindo os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro — como caminhos para a reconstrução da democracia no país.
Maria Stockler Carvalhosa, curadora de audiolivros, e a atriz Isabel Teixeira bateram um papo apaixonado sobre o formato na mesa Na escuta, mediada por Isabelle Moreira Lima, jornalista da Gama. Teixeira, conhecida como a Maria Bruaca da novela Pantanal, contou sobre sua longa história com audiolivros, desde a adolescência, quando frequentava o acervo sonoro do Centro Cultural São Paulo, até hoje, narrando os livros da vencedora do Nobel Annie Ernaux. E Carvalhosa relatou sua carência de livros nesse formato quando ficou cega, o que inspirou a criação da editora Supersônica. A mesa contou com a participação especial de Café, cão-guia de Carvalhosa.
A estadunidense Patricia Hill Collins encantou com sua simpatia e bom humor na mesa Bem mais que ideias, mediada pela jornalista Semayat Oliveira. Mas a professora e pesquisadora de feminismo negro também falou de assuntos bem sérios, como as lutas antirracista, feminista e de classe, que se conectam no conceito de interseccionalidade. Mas tudo isso sem perder a esperança, acreditando que de fato uma luta interseccional pode nos levar a um mundo mais justo. “A análise da nossa situação não me tira a esperança. Na verdade, ela me dá raiva, e a raiva me dá energia. É por isso que eu escrevo tanto, porque tenho muita raiva. Mas também tenho muita esperança”, afirmou.
“Uma catástrofe planetária e civilizatória, um retrocesso absurdo que coloca em xeque nossa possibilidade de existência.” Foi assim que o antropólogo Pedro Cesarino definiu, durante a mesa Ficções amazônicas, o marco temporal — tese de que indígenas só têm direito às terras que ocupavam e, 1988, no momento da promulgação da Constituição. O escritor se juntou à atriz e cineasta Rita Carelli e à antropóloga Aparecida Vilaça, além da mediadora Iara Biderman, para pensar as relações entre o fazer antropológico e a cobrança por se fazer textos-denúncia. “É preciso mostrar também a potência criativa e a alegria dos povos originários”, disse Vilaça.
Outro convidado que chamou a atenção pelo bom humor foi o poeta Jericho Brown, vencedor de um prêmio Pulitzer em 2020. Estrela da mesa A tradição, dividida com a tradutora de seu livro de mesmo nome, a também poeta Stephanie Borges, Brown gargalhava de felicidade a cada pergunta ou comentário, tanto da companheira de mesa quanto do público. Mas também falou de amor. “Quando morrer, quero que digam que fui um poeta que escrevia sobre o amor, não importa quão brutais ou violentos os poemas possam ser", disse.
A construção e atualização do racismo no Brasil e a percepção do tráfico de pessoas escravizadas como elemento estruturante da nossa formação foram os temas centrais da mesa Crônica do racismo à brasileira, que reuniu a historiadora Ynaê Lopes dos Santos e o psicólogo social Márcio Farias. “Continuamos mantendo a ideia que qualquer pessoa negra é suspeita a priori. Isso é algo que nunca foi revisto na história do Brasil”, afirmou Santos.
E a noite desta sexta terminou com a presença de Geovani Martins e Luiza Romão, dois grandes nomes da nova geração de escritores brasileiros, na mesa São Paulo e Rio em verso e prosa, que teve mediação da editora e crítica literária Luciana Araujo Marques. Os dois conversaram sobre como trabalhar com a violência na literatura de modo a não reproduzi-la, como a tradição oral, o rap e a TV influenciam seus trabalhos e a presença de desaparecidos políticos em seus textos.
A Feira do Livro acontece de 7 a 11 de junho na praça Charles Miller, no Pacaembu, em São Paulo.
Matéria publicada na edição impressa #70 em junho de 2023.
Porque você leu A Feira do Livro
Difusão da leitura em debate
Em série de seminários d’A Feira do Livro, educadores e autores compartilharam perspectivas sobre o fomento do livro e da leitura entre jovens no Brasil
SETEMBRO, 2024